Anuncie connosco
Pub
Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Forte da Ajuda Grande

9 de junho de 2020
Partilhar

Neste mês de junho, e numa época dita de “desconfinamento com responsabilidade”, trago como proposta uma caminhada pelo campo, longe de ajuntamentos, caminhada essa para visita de duas fortificações militares que fazem parte do património nacional: o Forte da Ajuda Grande e o Forte da Ajuda Pequena. As duas fortificações estão localizadas em meio rural, em locais privilegiados de observação da paisagem, na proximidade da aldeia de Alrota (freguesia de Bucelas). Para chegar ao local basta deixar o carro na povoação, junto à Rua do Forte, e seguir a pé até ao topo da elevação, até ao marco geodésico, onde encontrará o Forte da Ajuda Grande. Esta obra militar faz parte de um vasto conjunto, que poderá conhecer melhor se o desejar, tendo ao seu dispor múltiplos itinerários, todos eles integrados na Rota Histórica das Linhas de Torres.

Como é do conhecimento geral, a Rota Histórica das Linhas de Torres é uma proposta de visita turística e cultural alicerçada no Sistema Defensivo denominado Linhas de Torres Vedras, edificado em 1810 para proteger a cidade de Lisboa e o seu porto da 3ª Invasão Francesa. A rota em questão, no seu todo, apresenta uma “oferta” muito extensa, como já referi acima, que atravessa praticamente a Estremadura portuguesa, do Tejo ao Atlântico. Das mais de 150 obras militares que foram construídas estrategicamente a norte da cidade de Lisboa - transformando na altura, por assim dizer, uma paisagem rural numa paisagem militar - foram musealizadas cerca de trinta. São monumentos, como tantos outros, que nos remetem para um período de mudanças históricas radicais - a transição do século XVIII para o século XIX, marcada pela Revolução Francesa - que levaram ao surgimento do Estado moderno.

Voltando ao Forte da Ajuda Grande, importa mencionar que este fazia parte da segunda linha defensiva do sistema militar já referido, e estava articulado diretamente com um mais pequeno, situado mais a norte dele, o Forte da Ajuda Pequeno. Estas duas posições militares controlavam uma importante estrada militar, a qual, na época da sua construção, isto é, nos inícios do século XIX, ligava Nossa Senhora da Ajuda a Bucelas. Para cumprir esse propósito militar o local escolhido para a implantação do forte foi precisamente o topo de uma plataforma calcária, de forma a possibilitar o domínio visual de uma vasta região, e o controlo e domínio da principal estrada, permitido por fogo cruzado de artilharia.

Estando no Forte da Ajuda Grande, que foi musealizado no final da década de noventa do século XX, é possível apreender as várias estruturas que caraterizam este tipo de construção militar de campo: um fosso que delimita todo o perímetro exterior da fortificação, uma zona destinada à colocação das peças de artilharia, e uma zona destinada ao paiol. Outro aspeto fundamental é a possibilidade de visualização total da paisagem envolvente, num ângulo de 360º, distinguindo-se dali várias serranias, a Serra de Serves e a Serra dos Picotinhos, separadas pelo vale do rio Trancão junto a Bucelas; parte da Serra do Calhandriz; a Serra do Alqueidão onde se localiza o forte do mesmo nome, o qual funcionou como quartel general do sistema em 1810; ou, ainda, num horizonte mais distante, a Serra do Socorro, com a sua capela, local onde estava instalada uma base de um sistema visual de comunicação a distância, sistema esse também associado ao complexo defensivo, e que permitia, através de uma rede de semáforos óticos, transmitir rapidamente mensagens para vários pontos do mesmo complexo. Ora é sabido que a comunicação de informações é crucial na guerra.

Sugiro que, após a visita a este forte, o/a leitor/a continue por um trilho que ali se encontra até ao final da plataforma para conhecer o Forte da Ajuda Pequeno, obra de menor porte, que não foi sujeita a intervenção arqueológica e posterior musealização, mas que conserva todos os seus elementos estruturais: o fosso é bem visível, assim como a zona das canhoneiras e do paiol. A vista daqui para a paisagem é igualmente deslumbrante!

Ao longo do percurso a pé irá encontrar, no solo que pisa, fósseis que nos remetem para um tempo mais longo, plantas variadas e pequenos animais, além de marcas da presença do homem na paisagem, como antigos muros delimitadores de propriedade e de campos de cultivo, casario disperso…E, desse modo, fruirá de ar puro, e terá tempo para refletir.

Última edição

Opinião