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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Património

Pintéus, uma casa de Maria Amália Vaz de Carvalho

8 de março de 2018
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Retomando uma crónica anterior onde abordamos o Palácio de Pintéus, edifício que foi propriedade de D. José Vaz de Carvalho, chanceler-mor do reino no tempo de D. João V, voltamos a este espaço para falar de uma sua outra residente ilustre, desta vez no feminino, a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho. Foi autora de uma extensa obra em géneros muito diversos, incluindo contos, poesia, ensaios e biografias. Além disso, colaborou igualmente em muitos jornais e revistas, tanto nacionais (Diário Popular, Repórter, Artes e Letras) como brasileiros (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro), e em várias publicações portuguesas tais como Contemporânea, A Ilustração Portuguesa, A Mulher, O Ocidente, Renascença, Repórter, A Semana de Lisboa, e chegou a usar o pseudónimo de Maria de Sucena. Várias são as suas crónicas de crítica literária, mas também publicou reflexões sobre ética e educação, especialmente das mulheres. Foi, indubitavelmente, uma escritora prestigiada, mas também uma autora que procurou analisar a condição e o papel da mulher na sociedade do seu tempo.

Maria Vaz de Carvalho nasceu em Lisboa a 1 de fevereiro de 1847, na freguesia de Santa Catarina e foram seus pais, José Vaz de Carvalho e Maria Cristina de Almeida e Albuquerque, membros de famílias ilustres da sociedade portuguesa. O seu pai era descendente do chanceler-mor do reino de D. João V e mantinha na sua posse a propriedade de Pintéus com o seu palácio.

Casou aos 27 anos de idade com o poeta António Cândido Gonçalves Crespo, a 12 de março de 1874, na Igreja Paroquial de Santo Antão do Tojal. Porém, o casamento não durou muito, pois em junho de 1883 o marido morreu vítima de tuberculose, ficando Maria Vaz de Carvalho com dois filhos menores e grávida de um terceiro, o qual acabou por não sobreviver ao parto. Morreu com 74 anos, em 1921, na sua casa, em Lisboa.

Maria Amália desde cedo se moveu em meios intelectuais e literários, sempre convivendo com escritores, jornalistas, políticos. Aliás, a sua residência foi o primeiro salão literário da capital, por onde passaram grandes nomes da literatura e da cultura portuguesa como Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Conde de Sabugosa, Bulhão Pato, Sousa Martins, Bernardino Machado e João de Deus, entre muitos outros. Precisamente, um salão literário era um local de reunião onde homens e mulheres eruditos se encontravam regularmente, sob os auspícios de um anfitrião ou anfitriã, como era este o caso, para debaterem questões relativas a eventos correntes como filosofia, literatura, política, entre outros mais banais. A sua reconhecida influência explica a circunstância de ter sido a primeira mulher a ser admitida na Academia das Ciências de Lisboa.

Quando procuramos no Portugal de 800 testemunhos em torno da mulher, e sobre as questões sociais que a sociedade da época vai convocando, a voz de Maria Vaz de Carvalho é incontornável. Na sua vasta obra, nomeadamente em torno da educação feminina, como “Cartas a Luiza”, “Mulheres e Creanças” ou “Cartas a uma Noiva”, é clara a sua posição relativamente ao lugar que a mulher deve ocupar na esfera pública, na importância da educação como forma de dar visibilidade à mulher e à afirmação desta como autora. Nesta altura, os papéis sociais masculinos e femininos ainda estavam muito marcados pela divisão entre a esfera pública e a esfera privada, cabendo ao homem as luzes da ribalta e às mulheres os bastidores. Importava, portanto, assegurar à mulher a afirmação de uma visibilidade singular, sem descurar os seus papéis na esfera privada. Na verdade, apesar das suas ideias sobre o novo estatuto da mulher, estas não significavam uma afronta à ordem então estabelecida, na medida em que conciliavam com o resto o esperado “papel feminino” de esposa e mãe. Esta autora defende que a mulher foi criada para ser isso, esposa e mãe, mas tal não implica que não afirme novas formas de visibilidade social, no domínio da arte, literatura e do ensino, tendo sempre presente a dignificação do papel da mulher. Para Maria Amália Vaz de Carvalho, a mulher poderá ser aceite na esfera pública, como um ser igual ao homem, a par do desempenho da sua missão social, como educadora das novas gerações e da sua missão doméstica.

Considerando a vida pública de Maria Amália não é de estranhar que o primeiro liceu feminino em Portugal tivesse o seu nome, pois a sua intervenção foi também marcada pela defesa de um liceu feminino em Portugal. Ressalvo que só em 1885 é criada a Escola D. Maria Pia para o género feminino, em homenagem à rainha D. Maria Pia de Sabóia. Os primeiros cursos ministrados nesta instituição foram os lavores, a tipografia, a telegrafia e a escrituração comercial. Em 1906, por decreto de D. Carlos I, é criado o primeiro liceu feminino e o Liceu Maria Pia é transferido para o Palácio Valadares, no Largo do Carmo.

Pouco tempo depois, num decreto de 1917, Sidónio Pais altera o nome da instituição para Liceu Central de Almeida Garrett e só posteriormente, em 1933, é que o Liceu Feminino passa a designar-se Maria Amália Vaz de Carvalho, agora nas instalações da Rua Rodrigo da Fonseca.

Como já foi mencionado, a obra da nossa autora, como poetisa e escritora, é vasta e variada. Maria Amália estreou-se em 1867 com o poema “Uma Primavera de Mulher”, mas a sua obra maior é “Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa Holstein/1898-1903”.

Não podemos deixar de aludir ao livro “Contos Para os Nossos Filhos”, o qual escreveu em parceria com António Crespo, em 1886, obra que foi aprovada pelo Conselho Superior de Instrução Pública para utilização nas escolas primárias. A Câmara Municipal de Loures instituiu, há várias décadas, o Prémio Literário Maria Amália Vaz de Carvalho, com o propósito de homenagear a escritora e ativista política, mas também de premiar obras inéditas de autores de língua portuguesa.

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