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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Os vestígios romanos na vila de Bucelas

3 de dezembro de 2023
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Como já mencionei numa das minhas crónicas anteriores o nosso atual território do concelho de Loures esteve integrado na área administrativa da antiga cidade romana, Felicitas Iulia Olisipo, como era designada na época. A cidade de Olisipo era uma das mais importantes da Lusitânia romana. Porém, a capital desta província era a cidade espanhola de Mérida, ou seja, Emerita Augusta. Como qualquer cidade, Olisipo tinha além da sua parte urbana, uma vasta área rural que a circundava, território que estava sob a sua administração e que na altura incluía o atual concelho de Loures.
Como é do conhecimento geral, a Lusitânia tornou-se uma província romana a partir de 29 a.C. e abarcou uma vasta região que incluía não só parte do território português a sul do rio Douro, como a Estremadura espanhola e ainda parte da província de Salamanca. Embora atualmente Mérida nos pareça um pouco distante, na realidade a cidade de Lisboa foi o porto marítimo da capital província da Lusitânia. A posição estratégica de Olisipo com o seu porto permitia a ligação marítima não só com o mediterrâneo, como também com as redes comerciais do Atlântico. Essa relevância foi reconhecida, na medida em que foi considerada um município romano, sendo os seus cidadãos considerados romanos apesar de não serem de ascendência romana. Quando as embarcações entravam no estuário do tejo eram confrontados com um imponente teatro romano, edifício publico que afirmava a importância desta cidade tão afastada de Roma.
Assim, Olisipo foi uma urbe movimentada e são muitos os vestígios romanos que ainda hoje podemos encontrar na cidade e até visitar alguns deles. Mas, também o território que esta administrava estava povoado por um conjunto de locais de povoamento que formavam uma rede, como as vilae (quintas), os vicus (pequenas aldeias), casais, sítios de apoio àqueles que transitavam pelo território, nomeadamente pela rede viária, e também não podemos esquecer a importância dos rios como recursos económicos e vias de comunicação. Sabemos que a bordejar a várzea de Loures e na proximidade de estradas romanas que cruzavam esta região existiram núcleos de povoamento, por exemplo o sítio das Almoínhas possivelmente um vicus, a villa de Frielas com os seus mosaicos, os vestígios de uma outra villa em Unhos, um possível vicus em Sacavém, o Mausoléu romano em Vila de Rei (Bucelas) e recentemente os vestígios habitacionais no centro de Bucelas.
Estas estruturas habitacionais datadas do período romano foram identificadas do decorrer de investigações arqueológicas que decorreram entre 2018 e 2019, devido à edificação de um novo muro de suporte de terras na rua Marquês de Pombal. Esta obra afetou uma área desta via de circulação, assim como uma parte do Largo do Espírito Santo. Assim, a escavação arqueológica efetuada possibilitou identificar claramente dois níveis de ocupação muito distintos: um antigo cemitério (necrópole do século XV ao XIX) que estaria em articulação com antiga Capela e o Hospital de origem Medieval do Espírito Santo; e num nível inferior aos sepultamentos, uma ocupação muito mais antiga, ou seja, um conjunto de estruturas datadas dos séculos I-II, portanto, da época romana. Estes muros formavam três compartimentos que se prolongavam para além na área intervencionada. Embora, no projeto do novo muro de suporte não estivesse comtemplada nenhuma solução que viesse a integrar qualquer vestígio arqueológico, foi possível preservar como memória desta presença romana, uma parte dos muros das antigas casas, “janela” que interpela todos aqueles que circulam pelo núcleo antigo de Bucelas. Este novo sítio arqueológico que atesta a antiguidade de Bucelas, está por sua vez inserido num projeto intermunicipal, Lisboa Romana, o qual visa precisamente dar a conhecer a todos os interessados a antiga cidade e o seu território. https://lisboaromana.pt/
Termino esta crónica sugerindo uma revisitação à exposição temporária “Do Cemitério às Casas Romanas”, talvez aproveitando as férias natalícias, exposição essa que está patente no Museu do Vinho e da Vinha de Bucelas até setembro de 2024. Esta atualiza a informação sobre os resultados obtidos nas escavações arqueológicas já mencionadas acima, com especial enfoque na ocupação romana, apresentando também novos materiais. Está igualmente disponível, online e em papel, uma pequena monografia sobre o sítio arqueológico e o seu contexto.
A todos os leitores votos de um feliz ano novo!

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