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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

A Igreja Paroquial de São Pedro, freguesia de Lousa

3 de novembro de 2019
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A Igreja Paroquial de Lousa, dedicada a São Pedro, é um edifício religioso que se destaca do casario que a envolve, não só pelo seu volume arquitetónico, mas principalmente porque se situar num plano elevado. Com efeito, o desnível entre a plataforma onde se encontra implantada e a estrada principal da povoação é vencido por um lanço de escadaria, claramente orientada para o eixo do portal principal, o que contribui para a cenografia de um espaço de forte carga simbólico-religiosa. O interesse histórico e patrimonial desta igreja foi corroborado pelo Estado Português ao atribuir-lhe, em 1993, a classificação de Imóvel de Interesse Público (Decreto n.º 45/93, DR, I Série-B, n.º 280, de 30-11-1993).

A igreja, delimitada por um adro murado, é uma estrutura arquitetónica que conjuga vários volumes: a nave ou corpo principal, a capela-mor onde o espaço se estreita, a sacristia adossada ao corpo da nave principal, e ainda a torre sineira, ligeiramente recuada em relação à frontaria da igreja. Na fachada, podemos observar, no frontão triangular que a encima, uma edícula que exibe os atributos de São Pedro, a chave e a tiara papal, ou seja, os elementos simbólicos que permitem aos devotos, ainda no exterior, identificar qual o orago do templo.

Como é sabido, as igrejas, na sua generalidade, foram alvo de reconstruções, ampliações, melhoramentos ao longo dos vários séculos da sua existência, e esta não é exceção. Muitas vezes essas intervenções ficaram assinaladas com a introdução de datas junto a portais, altares ou outros lugares considerados próprios para lembrar esse momento para a posteridade. Neste caso, podemos ver, no exterior, a data mais antiga até agora catalogada, 1546, a qual encima um portal lateral de caraterísticas manuelinas, um dos elementos mais antigos e mais interessantes deste imóvel.

Não se sabe ao certo em que época terá sido construído um templo mais antigo, que se supõe, pois, ser anterior à igreja atual. Uma das pistas são os missais do século XVII e XVIII provenientes da própria igreja, os quais referem a existência de um templo do século XIV, ou seja, um século antes da data referida, inscrita no portal lateral. Por outro lado, na fachada principal, podemos igualmente observar a data de 1858, muito mais recente, a qual deverá corresponder a outra campanha de melhoramentos. Nas Memórias Paroquiais menciona-se o facto desta igreja ter sofrido alguns danos aquando do terramoto de 1755. Na sequência desse facto, o templo terá tido intervenções para reparação dos malefícios provocados por aquele grande abalo, que tanto afetou Lisboa e seus arredores.

Assim, para melhor compreender a história deste edifício é imprescindível estar atento a outros elementos decorativos que podemos encontrar no seu interior, os quais testemunham o que já foi mencionado acima, as várias intervenções havidas ao longo do tempo. No século XVII foi realizada uma campanha decorativa da qual subsistem, no subcoro, uns azulejos de características seiscentistas com representações de São Pedro e de São Miguel Arcanjo. Na centúria seguinte, na década de 1740, a capela-mor foi intervencionada, sendo dessa altura os painéis de azulejos figurativos que revestem as paredes, alusivos ao episódio/rito cristão conhecido como do Lava Pés e ao Batismo de Cristo no rio Jordão, cenas devidamente identificadas pelas legendas das cartelas. São igualmente do mesmo período as telas de temática mariana patentes na aludida capela-mor, bem como a abóbada que apresenta trabalhos em estuque pintado. Já de uma época posterior é o retábulo, rococó (um estilo posterior ao barroco), e a talha dos altares colaterais, dourada e branca.

Pelo que foi descrito a capela-mor da Igreja de São Pedro de Lousa conserva até hoje uma iconografia rica. Todavia, não podemos deixar de salientar as paredes da nave principal que apresentam pinturas decorativas, possivelmente oitocentistas, conservando ainda o embuto largo, em mármore, elemento decorativo muito aplicado nas igrejas lisboetas ao longo do século XVII.

Assim, a Igreja de São Pedro de Lousa é um edifício religioso que ao longo do tempo foi objeto de reformas, umas mais estruturais, outras mais decorativas, todas no sentido de ampliar, valorizar e embelezar um espaço importante para os seus devotos, ocupando uma posição de destaque no conjunto urbano da povoação. Este templo está integrado no circuito de romagem conhecido como do Círio de Nossa Senhora do Cabo (referente à imagem existente no santuário do cabo Espichel), manifestação religiosa muito antiga e que já foi tema destas crónicas. Precisamente este ano em que nos encontramos, 2019, o Círio deixou a localidade de Barcarena a 21 de setembro para permanecer durante um ano em Lousa.

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