Fora do Carreiro
SEM DÓ NEM PIEDADE
11 de dezembro de 2024
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Por razão de declaração de interesses começo por dar conta que ignoro completamente as televisões privadas portuguesas (ou ditas portuguesas, o que duvido), porque nem a sua informação tem equidade e investigação, nem os interesses que servem, servem a maioria de nós. Quanto à RTP tenho tentado, com esforço, continuar a acompanhar os supostos canais públicos, mas estão a escapar-se-me. Cada vez estão mais parecidos com os outros e transformados em meros megafones da guerra e dos interessados nas guerras, pelo que a sua credibilidade está igualmente num lastimável estado comatoso.
Vem este introito a propósito da perplexidade que gera o afã com que a RTP (os outros, como já disse, simplesmente ignoro), para além de promover a guerra - com muitas aldrabices produzidas em obscuras agências de comunicação -, procura sistemáticamente transformar um normal inverno em poderosas tempestades, qualquer vento num temporal, uma chuva forte numa ameaçadora depressão. Ou seja, nem no domínio climatérico informa sensata e racionalmente. Quer o drama, a tragédia e o horror. Quer o medo, quer intimidar, porque isso faz esquecer o importante, o decisivo na vida de todos nós. Ninguém pergunta porquê ?!
É hoje do conhecimento geral, pelo menos para quem quer saber, para lá de todas as mentiras que rodearam e ainda assombram a tragédia, qual foi fenómeno meteorológico ocorrido em Valência e porque teve os efeitos que teve. Sabe-se que ocorreu já inúmeras vezes ao longo da história naquele território, também se sabe que as alterações climáticas lhe agravaram as circunstâncias, mas igualmente parece não restarem dúvidas que nas últimas dezenas de anos, a área foi bastante mais ocupada, bastante mais urbanizada e bastante mais impermeabilizada. Ou seja, o homem, juntou dedicadamente as condições favoráveis à tragédia. Pode mesmo dizer-se, sem dó, nem piedade. As consequências, aí estão. E bem se pode atribuir o feito ao divino ou às imperscrutáveis alterações climáticas, para fingir que não foi a gula, a especulação imobiliária e os negócios da terra e da construção a verdadeira razão do desastre.
Pois aqui lanço o desafio à RTP e às autoridades que queiram ver em decurso, a cores, ao vivo e em antecipação, uma potencial tragédia na região de Lisboa seja por via de um terramoto, seja por via de um fenómeno meteorológico qualquer. Podem visitar-se outros locais, mas agora também Loures, onde em velocidade alucinante brotam armazéns, prédios, moradias e uma impermeabilização dos terrenos sem precedentes. Sem dó, nem piedade !
É nesta incerteza e angústia que queremos viver? Uns tentam assustar, outros assustam mesmo.