Opinião de Ricardo Andrade
Será que aprendemos?
6 de março de 2022
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Escrever um texto nesta altura é quase inevitavelmente fazer um exercício de prosa em que se torna praticamente impossível fugir ao tema “ Ucrânia ”.
Por isso assumo aqui que serei mais um de milhares que acabará por cair no lugar comum actual de escrever sobre esse triste facto.
Mas confesso que não irei maçar o leitor com um descritivo histórico-político, nem com uma tentativa de sobre-analisar a temática com uma sobranceria pseudo-intelectual e nem mesmo de prever, com ar de licenciado na área, o desfecho desta dramática realidade.
Prefiro abordar a temática do humanismo ( ou eventual falta dela ) e perder linhas acerca dos indícios ( ou ausência deles ) do que pode mudar na forma de reagir do cidadão comum perante esta guerra.
Costumo dizer em conversas com amigos que sou daqueles que esperava que a pandemia trouxesse melhorias significativas na sociedade portuguesa nomeadamente ao nível da solidariedade inter-familiar e do espírito de entre-ajuda. Sim , fui daqueles que se convenceu, durante os primeiros confinamentos, de que o mundo estava a ficar mais humano, mais abnegado, menos interesseiro, menos egoísta.
Hoje olho e vejo que eram apenas os meus olhos carregados de sonhos lindos plenos de nuvens cor-de-rosa e unicórnios que provavelmente fui buscar às histórias que a minha Mariana gosta de ouvir. Ou talvez fôsse da minha cabeça convencida que a sociedade estava cheia de corações do tamanho do mundo como o do meu João Pedro onde a maldade parece não conseguir entrar.
Infelizmente é com este pensamento cínico e desalentado que olho para todo o fenómeno de solidariedade instantânea para com a Ucrânia que corre as redes sociais, as conversas de café e as casas do nosso Portugal e do mundo.
Ele são imagens de ucranianos desfeitos, ele são monumentos iluminados de azul e amarelo, ele são posts a ofender Putin, ele são tudo e mais alguma coisa desde que toque na temática da desgraça que está a ocorrer naquele país que muitos, até hoje, não sabiam bem onde ficava nem exactamente qual a sua história.
Já nem falo nas manifestações nem nas vígilias onde podemos ver milhares de pessoas a entoar cânticos ou a segurar cartazes com mensagens mais e menos politizadas.
É como se todo o mundo ( salvo algumas excepções ) se unisse em torno da dor e do sofrimento ucraniano e resolvesse, efectivamente, sair do conforto da sua casa e do seu país e pegasse, literalmente, nas armas para combater ao lado daquele martirizado povo. Só que não!
Colocam-se posts, reproduzem-se uns memes, partilham-se uns vídeos. Enquanto isso os ucranianos lutam dia a dia para sobreviver. Lutam com armas e sangram por dentro e por fora. E nós... Enfim...
Sim, admito que já duvido mais do que acredito na bondade da nossa sociedade. Sim, admito que já não confio nos arco-íris de “vai ficar tudo bem”. Sim admito que a sociedade pós- confinamentos e pós-período mais duro da pandemia me desiludiu.
Infelizmente penso que enquanto sociedade não estamos ainda a fazer o suficiente para fazermos a diferença. Infelizmente acredito que vai ser mais um tema que hoje está na berra mas que amanhã já esquecemos. Infelizmente penso que nos está a dar com força mas que passará mais depressa do que devia.
Peço desculpa ao leitor se não consigo ser mais crente. Não de nada que toque esta temática mas em especial do facto de que esta guerra nos vai fazer dar verdadeiro valor ao que temos mas em especial à nossa liberdade.
Não confundo, no entanto, fé com esperança e essa confesso que não irá morrer nunca mesmo que a humanidade teime em dar-me razões para o contrário.
O que acontecerá aos milhares de ucranianos cuja sina hoje lamentamos? Será que os acolheremos enquanto refugiados e lhes abriremos as portas das nossas casas? Será que quando estiverem perto não os repudiaremos? Será que teremos a capacidade, enquanto sociedade, de cumprir as juras que agora fazemos? Será que aprendemos algo com o que apregoámos no auge da pandemia e depois não cumprimos?
Espero mesmo que sim. Espero mesmo poder dizer que agora foi diferente e que, desta vez, aprendemos enquanto povo. Espero mesmo que consigamos ir mais longe e cumprir todas as juras que agora fazemos.
Porque o mundo merece isso e porque os ucranianos também não merecem a desilusão de ver quem hoje os apoia virar-lhe as costas mais tarde.