Opinião de Ricardo Andrade
Jorge
3 de março de 2025
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Começo estas linhas com a confissão de que, enquanto escrevo, me assola a mente a enorme incompreensão que penso que todos sentimos quando somos o mais velho que vê partir outro mais jovem que nós.
Há algum tempo que deixei de escrever sobre perda. Há algum tempo que tinha posto de parte o exercício de deixar a nú o que sinto quando a vida leva alguém.
Mas como tudo na vida, existem momentos e existem, acima de tudo, pessoas e pessoas. Por isso, este texto de hoje é diferente de muitos dos meus últimos aqui neste espaço em que falo convosco todos os meses e tentarei dizer muito do que já disse e ainda mais do que ainda não disse.
Hoje escrevo-vos sobre o Jorge.
Escrevo-vos sobre uma das melhores pessoas que conheço ( sim... “conheço” e não “conheci” pois o carinho não tem passado ). Escrevo-vos sobre alguém que não tem igual.
Ainda me lembro de como me recordo que o Jorge entrou na minha vida. Era mais novo do que eu, filho de pais que eu então só conhecia de ocasiões fugazes e, no meio da minha vida de juventude partidária, surgiu como parte de uma alternativa ao projecto que eu defendia na época.
De uma hora para outra, e sempre com a Amélia, apareceu... tímido, educado, respeitador, tão jovem como sempre parecem em certas idades aqueles que têm menos idade que nós e com uma postura que tornava difícil não admirar aquela correcção toda num corpo tão pequeno. Nunca me esquecerei de que não pediu a ninguém “licença para entrar” pois toda a sua atitude já o fazia sozinha e isso é daquelas coisas que só acontecem aos melhores.
Depois e com o tempo, esse enorme professor das nossas existências, fomo-nos aproximando e fomos estando em projectos juntos e o convívio tornou-se algo de especial que nem sei se merecerei algum dia. Pouco a pouco fomos fazendo parte da vida um do outro e, a certa altura, o Jorge deu-me umas das maiores provas que se pode dar a alguém... emprestou-me os seus pais ( e da Amélia ) para serem também um pouco meus como o são ainda hoje. Sem eu pedir, deixou-me partilhar desse tesouro que é a sua família e fê-lo de uma forma tão natural e genuína que parecia que tinha sido sempre assim.
Mais tarde, a dada altura das minhas andanças pelas estruturas partidárias, calhou-me fazer justiça e desafiar o Jorge a mostrar a sua enorme qualidade a muitos outros comprovando o que eu já sabia... o Jorge era, claramente, diferente e enormemente bem preparado sendo um crime ser apenas eu e alguns outros a sabermos disso. Comprámos essa guerra, travámos essa batalha e, como sempre, o Jorge mostrou muito do que era e provou, mais uma vez “sem pedir licença”, aquilo que outros mundos já sabiam... ele era único!
Continuando na estrada da vida fui podendo desafia-lo outras vezes e, enquanto o Jorge assim o entendeu, foi aceitando e, metro após metro, foi saltando com elegância e firmeza como se estivesse numa prova de triplo salto. Que gosto foi poder assistir a essa parte do seu caminho enquanto pessoa.
Enquanto tudo isso acontecia, o Jorge trilhava o seu caminho académico com o brilhantismo que muitos sabem. Sim...também aí o Jorge mostrou a sua enorme valia e o seu enorme amor pela academia, pelo Direito mas muito, muito, muito, pela História.
Durante esses anos foi crescendo ainda mais, sempre com uma luz e um brilho que as minhas palavras não poderão nunca descrever com precisão e justiça.
Nunca parou, seguiu sempre caminho e todos os que puderam assistir a essa autêntica prova de atletismo, foram bafejados pela sorte que temos sempre que somos brindados com algo de especial.
O outrora convívio muito presente que tinha com o Jorge foi-se esfriando como inúmeras vezes acontece durante esta caminhada que fazemos na estrada da vida mas, quer por ter os seus pais como meus emprestados, quer pelo facto de ambos nunca deixarmos de cultivar o contacto em alguns momentos festivos recorrentes, íamos estando na vida um do outro.
Fui assistindo, na maioria das vezes mais à distancia ( física apenas ), a todas as conquistas que o Jorge ia tendo e ele ia deixando e ajudando a que eu estivesse lá à minha maneira sem nunca me censurar pois era assim que ele era... alguém com um coração tão grande tão grande que percebia que a presença tem várias formas de se apresentar. Podia mas nunca me cobrou nem censurou pelas minhas ausências.
Nos últimos tempos fui sabendo da sua luta com o tempo mas disso não escreverei muito a não ser para partilhar convosco que, até nisso, ele foi enorme e conseguiu ir construindo um caminho que mostrou a todos quantos lhes eram queridos que, na vida, podemos sempre ser eternos e que podemos sempre estar presentes. Foi mostrando que as memórias se constroem sempre com amor e que enquanto houver sentimento genuíno e imaginação estaremos sempre lá... junto dos que nos amam e que amamos.
Muito mais haveria a dizer, mas como este texto já vai longo termino com um enorme beijinho para a Amélia, para a São, para o Zé, para a Sara e para o Duarte que, mesmo agora nestes momentos difíceis, sabem que o Jorge está sempre junto deles.
E acabo este texto, com único título que lhe poderia dar, com a minha promessa ao Jorge de que tentarei não estar tão ausente daqueles, sendo dele, me permitiu que sejam um pouco meus.