Opinião de João Pedro Domingues
Para quando o fim das AUGI’s?
7 de março de 2021
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Como resultado de uma realidade socioeconómica conhecida na altura, os loteamentos clandestinos foram, à época, a forma encontrada para satisfazer as necessidades habitacionais de milhares de cidadãos que, em busca de melhores condições de vida, procuraram os grandes centros urbanos, abandonando as suas terras de origem.
Estes fluxos migratórios internos foram engrossados pela vinda de milhares de portugueses oriundos das colónias, e, conjugados com uma legislação permissiva, uma certa inércia dos poderes administrativos, nomeadamente das câmaras municipais, e, ainda com o aparecimento de loteadores ilegais pouco escrupulosos, deu origem à proliferação de loteamentos clandestinos, em especial na área metropolitana de Lisboa.
A população viu, nesta alternativa de construção, uma forma rápida e expedita de resolver as suas necessidades habitacionais. No entanto, era sempre uma construção sem licença em áreas sem as infraestruturas básicas. Isso implicou que importantes áreas fossem parceladas clandestinamente, em localizações inconvenientes, em cima de linhas de água e, nalguns casos mais graves, em situações sem a mínima garantia de segurança para as respetivas edificações.
Foi neste contexto que, com a lei inicial 91/95, a designada lei das AUGI’s (Áreas Urbanas de Génese Ilegal), as autarquias foram chamadas a intervir. Se até então não existia um instrumento que se constituísse como ferramenta eficaz no tratamento destas questões, parecia evidente que essa lei, dotada de regime de excecionalidade, seria um importante passo para milhares de cidadãos que começavam a poder ver, através dela, um momento de mudança e de esperança.
Mas não foi. A lei em causa, não obstante ser reconhecida como um mecanismo efetivo, tendo em conta as várias revisões a que foi sujeita, carece ainda de uma abordagem que coloque em perspetiva a capacidade para resolver situações na atualidade.
Percebe-se, pelo tempo decorrido, que estes territórios, fruto da natural apropriação do espaço por quem dele faz a sua residência, não podem ser vistos como situações transitórias, mas antes como áreas que importa dotar das condições necessárias à urbanidade moderna.
Loures teve, e ainda tem, um número muito significativo de bairros com estas características. No passado, nomeadamente nos doze anos de gestão socialista, o município deixou de ter o papel de mero espectador da iniciativa dos particulares e passou a ser um interveniente direto e ativo nos respetivos processos.
Nesses anos de intenso trabalho conjunto, muitos processos foram concluídos, quer reorganizando os processos de reconversão, quer através da cedência de grande parte dos materiais para construção de infraestruturas, quer através dos apoios financeiros concedidos. Várias dezenas de bairros tiveram assim o seu alvará concluído.
Claro que o processo final não se esgota no Alvará, mas sim na legalização das construções, conferindo assim, com esse passo, legitimidade definitiva aos proprietários, no que respeita ao terreno, e à edificação.
Em Loures, muito há ainda por fazer. Nestes últimos sete anos pouco foi feito para resolver este problema.
Nestes processos de reconversão, o que se exige é um trabalho colaborativo entre proprietários e autarquia, ou mesmo só da autarquia, substituindo-se aos proprietários ou às comissões conjuntas quando tal for necessário.
Não poderá é acontecer uma situação de total dependência ou de “aprisionamento” das comissões conjuntas por parte de um qualquer Município, no intuito de daí recolher proveitos eleitorais.
No entanto, subsiste um problema bem maior, que são os loteamentos considerados como insuscetíveis de reconversão, devido à sua localização inconveniente, por violação grosseira dos Planos Diretores Municipais. Em Loures, há como exemplo o caso flagrante do Talude Militar.
No momento em que se discute o Plano de Recuperação e Resiliência, com grande enfoque na Habitação, em que Portugal terá mais de dois mil milhões de euros disponíveis, é fundamental que seja possível alocar uma verba significativa para que os proprietários destas áreas insuscetíveis de recuperação, em conjunto com outras entidades, possam relocalizar as suas habitações noutros espaços, criando assim melhores condições de habitabilidade, e com a maior segurança.