Ninho de Cucos
Sufjan Stevens - Javelin
5 de novembro de 2023
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Sufjan Stevens, o músico de 48 anos de Detroit é um expert na forma de abordar o luto através da sua música. O cantor americano já havia demonstrado essa habilidade ao grande público no belíssimo “Carrie & Lowell” (2015), que revela a relação conturbada com a mãe e a relação dela com o seu padrasto. É um álbum carregado de emoção, com vários momentos capazes literalmente de nos levar às lágrimas.
“Javelin” não terá o mesmo conceito descarado claro por trás da sua concepção. O músico tem trabalhos conceptuais sobre dois estados americanos (“Michigan” e “Illinois”), obras eletrónicas inspiradas por pintores esquizofrênicos (“The Age of Adz”), experimentais pop à la Beyoncé (“The Ascension”) e até mesmo álbuns folk à volta de temas esotéricos relacionados com a fé cristã (“Seven Swans”).
Em vez disso, Sufjan Stevens aparece em “Javelin”a revisitar os diversos elementos musicais da sua obra, numa exploração de legado, enquanto as letras exploram as perdas comuns pelas quais todos passamos. Os relacionamentos que terminam, os trabalhos perdidos, as fases da nossa vida que passam e as pessoas próximas que morrem.
Em canções como “Will Anybody Ever Love Me”, Sufjan constrói com um banjo, um coro e a sua voz doce e sussurrada, uma ode ao desespero existencial de alguém que passa por uma desilusão amorosa e que é depois “engolida” por uma orquestra.
As formas de como magoar quem amamos aparecem noutros dois destaques, “So You Are Tired” e “Javelin (To Have and To Hold)”, neste tema o refrão alude aos tradicionais votos de matrimónio, “What a terrible thought to have and to hold”.
A voz de Sufjan é filigrana delicada e revela um artista que tanto segura uma música à viola como se destaca no meio de densos arranjos repletos de coros e orquestras.
“Javelin” tem tanto de folk quanto de clássico, sem a grande eloquência arrogante ou despropositada . Não surgem por acaso os convites para a escrita de bandas sonoras. Sufjan Stevens é assim e sempre assim será e mesmo nos momentos mais eletrónicos ou de manipulação de fita, não despe o fato de gala, nem abandona o comando pois é o próprio que além de cantar ,toca todos os instrumentos presentes nos 10 temas que compõem o álbum.
A última faixa de “Javelin” é um cover. É aliás a primeira vez que coloca uma música não composta por ele em num disco seu. A música escolhida é da autoria de outra figura de voz frágil e capacidade de soar intemporal, Neil Young.
“There’s a World” é uma faixa menos conhecida de “Harvest”, o disco mais vendido da carreira de Neil Young, um trabalho marcado por uma sonoridade luxuosa por contraste a letras onde desepero e ansiedade se passeiam de mãos dadas. No entanto via Sufjan Stevens no álbum “Javelin”, a canção ganha contornos de esperança no sentido em que a vida continua face à inevitabilidade da morte e por isso nada melhor que aproveitar o tempo que nos resta.
Esta mensagem é especialmente pertinente face à recente doença do sistema nervoso periférico que acamou Sufjan Stevens, o impossibilitou de realizar atividades promocionais deste trabalho e o obrigou a passar por fisioterapia para reaprender a andar.
No dia do lançamento (6 de Outubro), o cantor partilhou uma carta na sua conta do Instagram, na qual revela que o álbum é dedicado ao seu parceiro Evans Richardson, morto em abril. Sufjan nunca abordou a sua vida pessoal, especialmente o assunto da sua sexualidade o que aconteceu agora com a morte do parceiro.
Sufjan Stevens deixa na parte final deste anúncio, uma mensagem de esperança que aqui transcrevemos:
“...Sejam gentis, sejam fortes, sejam pacientes, perdoem, sejam vigorosos, sejam sábios, e sejam vocês mesmos. Vivam cada dia como se fosse o último, com gosto e graça, com reverência e amor, com gratidão e alegria...”.
Disco obrigatório!