Paisagens & Património | Florbela Estêvão
O pirata Tibau e aventuras no sudeste asiático
4 de setembro de 2017
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Talvez o leitor fique surpreendido ao saber que uma das figuras históricas mais interessantes e ativas nascidas no atual concelho de Loures foi... um pirata!
Sim, Sebastião Gonçalves Tibau (ou Tibao) foi um aventureiro nascido em Santo Antão do Tojal, cerca de 1587, que se notabilizou nos mares do Oriente, mais concretamente no chamado Golfo de Bengala, no início do séc. XVII. Infelizmente para ele, não terá durado muito: provavelmente veio a falecer, segundo se supõe, cerca de 1616 (e portanto, a admitir essa data para o seu desaparecimento, com a precoce idade de 29 anos).
Partiu para a Índia, como simples soldado da Armada, ainda muito jovem, aos 19 anos, numa época em que os portugueses estavam há muito em luta no Oriente com os seus concorrentes europeus – nomeadamente holandeses, ingleses, e franceses – bem como envolvidos em intrincadas rivalidades locais. Como se sabe, mais tarde, nos finais do séc. XVII, o nosso País viria mesmo a perder o monopólio do comércio na Índia portuguesa e do Sudeste da Ásia a favor dos holandeses, temíveis rivais. Estes criaram uma Companhia das Índias Orientais que sempre procurou tornar o mar (ou golfo) de Bengala num “mar livre”, isto é, aberto à concorrência, e não, como nós então desejávamos, numa área comercial exclusiva nossa e, portanto, fechada.
Mas a fase em que Tibau vai exercer as suas “aventuras” neste conturbado palco do Oriente, a atual Birmânia, é como se referiu, relativamente breve, entre 1605 e 1616. Tais peripécias consistiram numa série de manobras bélicas e políticas, fundamentalmente apoiadas na atividade da pirataria (então muito frequente nos mares, como é do conhecimento geral... apenas podendo distinguir-se o pirata do corsário, este último em geral atuando por meios igualmente violentos, mas em nome da coroa do seu país).
E refiro que esta zona era então conturbada porque ali existiam muitas rivalidades entre potentados indígenas, que se tentavam sucessivamente sobrepor uns aos outros, enquanto que, aproveitando-se de tal “confusão”, também ali se refugiavam bastantes portugueses, os quais, escapando às autoridades nacionais locais (nomeadamente sedeadas em Goa), faziam o possível por obter proveito próprio numa zona onde circulavam por mar produtos preciosos e ricos, pondo-se ao serviço ora de um potentado, ora de outro, conforme as suas conveniências. Tibau foi um dos mais famosos desses aventureiros.
Sebastião Gonçalves Tibau começou logo por desertar da Armada (o que muitos faziam por se verem injustamente maltratados em tal situação de soldados...) e, infiltrando-se na realidade controversa da atual Birmânia, exerceu a atividade de feitor de embarcações de sal, produto muito procurado. Assim conseguiu amealhar o suficiente para obter uma embarcação sua, com a qual negociava no reino de Arracão, situado na costa, para sudeste da ilha de Sundiva, a partir da localidade de Dianga, daquele reino.
Nesta localidade habitavam então centenas de portugueses. Um outro aventureiro nosso compatriota, de seu nome Filipe de Brito e Nicote, conhecido mercenário, resolveu apoderar-se daquela localidade, estendendo assim um já importante poderio que tinha na zona; mas foi mal sucedido nessa ambição, uma vez que o sultão da Birmânia o derrotou e, em consequência, mandou assassinar o seu filho e, com ele, muitos dos portugueses ali residentes.
Todavia, o nosso “herói” Tibau conseguiu, com outros poucos, escapar-se ao morticínio, indo para o outro lado do mar e refugiando-se na área da foz do rio Ganges.
Mas tais revezes não o abalaram, porque, logo em 1607, portanto no mesmo ano, conseguiu arregimentar 400 portugueses e, partindo para a ilha de Sundiva, conquistá-la, vencendo uma frota árabe (comandada por Fatecan, o qual se arvorava em destruidor dos portugueses) e ser promovido a rei de Sundiva, quer por compatriotas (e até outros aventureiros como ele, espanhóis), quer sobretudo pela população local.
Ao ver-se contrariado pela Coroa de Lisboa e pelo governo português de Goa na sua vontade de ser reconhecido como rei local e legitimado como membro de uma classe ascendente, não esteve com meias medidas: criou em Sundiva uma República que, pela atividade da pirataria que exerceu naqueles mares se tornou poderosa, contando com milhares de apoiantes, incluindo uma força armada. Eram temíveis e conseguiram conquistar várias ilhas da região pela força.
Mas foi mais longe: não só se casou com uma princesa, mulher rica local, como ainda conseguiu que seu irmão (António Gonçalves Tibau), que por aquelas bandas igualmente se encontrava, também esposasse uma mulher da nobreza (viúva de um rei), assim consolidando o seu poder e fortuna.
Porém a sorte começaria a virar-se então contra ele. Uma série de peripécias e alianças mal calculadas levaram-no a entrar em guerra com o ex-aliado, reino de Arracan (ou Arracão), localizado para sudeste da ilha de Sundiva; este passou a ser seu inimigo mortal, o que todavia não amedrontou Tibau. De facto, em 1615 e decidido a afrontar e derrotar o opositor, Tibau solicitou a Goa, mais uma vez, o apoio do vice-rei, o qual, desta feita, não lhe negou. Porém, a frota portuguesa, enviada por aquele vice-rei, a qual afrontou o inimigo sem esperar por Tibau (ao contrário do combinado), acabou por ser derrotada, derrota essa que também depois se repetiu quando Tibau finalmente chegou ao teatro de operações. Os holandeses, apoiando os de Arracão, só pretendiam precisamente acabar com as pretensões portuguesas, eliminando, fosse como fosse, a nossa presença ali.
Enfraquecido, e sem o apoio dos militares de Goa, Tibau foi derrotado em 1616 pelo rei de Arracão, que conquistou Sundiva (entretanto já portuguesa, por cedência anterior do próprio Tibau). E, embora saibamos que escapou ileso da refrega, desconhecemos onde finalmente terá vindo a falecer e se foi nesse mesmo ano... só se sabe que deixou, pelo menos, um filho, com o mesmo nome.
Assim, apesar de pirata jamais reconhecido pela Coroa portuguesa, o nosso Tibau ficou na história como “Rei de Sundiva”... se isso mereceria ou não um monumento em sua memória no nosso território, compete às autoridades e à sociedade civil decidir.