Paisagens & Património
Loures, um dos subúrbios de Lisboa?
24 de maio de 2017
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A problemática das periferias urbanas e, dentro delas, dos subúrbios, é transdisciplinar (envolve conhecimentos interligados de múltiplas áreas do saber) e muito complexa. Como é óbvio, um subúrbio não é apenas o anel de ruralidades ou de urbanidades secundárias que rodeiam uma grande cidade, como a designação “subúrbio” (do latim suburbium, ou sub-cidade), ou mesmo “periferia” (o que está em redor de um centro), envolvendo uma ideia de hierarquia, poderiam dar erradamente a entender. O urbanismo, a geografia urbana, a antropologia social, a sociologia, a arquitetura, o planeamento, todas as ciências sociais e humanas enfim, mas também a própria ecologia, os estudos do meio-ambiente, etc., etc., intervêm neste campo muito amplo de planeamento e gestão do território, um assunto que, em bom princípio democrático, é do interesse e do direito de todos e cada um de nós.
Alhearmo-nos disso, ao abordar “paisagens e patrimónios” da região de Loures, seria como tentarmos pensar o nosso país na sua integralidade, desconhecendo a respectiva Constituição, que é a lei-base de República; ou, por palavras mais simples, seria como estar a discutir “o sexo dos anjos”. O património cultural e natural não são assuntos de curiosidade pitoresca, desenquadrados da realidade social e política a que pertencemos e nos rege.
Nesse sentido, desde logo, um documento fundamental que todos os munícipes de Loures deveriam obviamente conhecer é o Plano Diretor Municipal aprovado já durante a vigência da equipa que atualmente preside aos destinos do concelho, publicado em Diário da República 2.ª série — N.º 117 — 18 de junho de 2015 (Aviso n.º 6808/2015).
Em muitos aspetos, ele será, para certas pessoas, e como qualquer PDM tem de ser, um pouco abstrato, sujeito como está a leis de enquadramento, e a normas técnicas, que transpõe para, ou adapta, ao caso específico de Loures. Mas em muitos outros, ele reflete o panorama geral do concelho e, também, as linhas de orientação básicas de uma política, prevista a médio prazo. Para além do interesse dos anexos que contém, e da indicação de links através dos quais se pode aceder a documentação importante (plantas de ordenamento). Sendo de fácil obtenção via internet, apenas refiro aqui os seus grandes grupos de temas, ou Títulos, como se designam legalmente, para se tomar consciência do seu carácter abrangente (na totalidade, são 53 páginas): 1- disposições gerais; 2- condicionantes ao uso do solo; 3 – uso do solo; 4 – qualificação do solo rural; 5 – qualificação do solo urbano; 6 – sistemas de circulação e mobilidade; 7- estrutura patrimonial; 8 – estrutura ecológica municipal; 9 – riscos ao uso do solo; 10 – ruído; 11- programação e execução; 12 – disposições finais e complementares.
Por exemplo, um tema que me interessa particularmente, é abordado pelo documento em causa a partir da p. 21, “Valores Arqueológicos”, onde (artigo 157º) se escreve, a definir: “ O património arqueológico integra depósitos estratificados, estruturas, construções, agrupamentos arquitetónicos, sítios valorizados, bens móveis e monumentos de outra natureza, bem como o respetivo contexto, quer estejam localizados em meio rural ou urbano, no solo, subsolo ou em meio submerso, no mar territorial ou na plataforma continental.”
E, logo a seguir, outro ponto também muito importante, o dos “Valores de Interesse Paisagístico” (artigo 160º), assim caracterizados: “ O património com interesse paisagístico integra os valores culturais e naturais únicos, de particular raridade, indispensáveis à identidade da paisagem concelhia, compreendendo os seguintes conjuntos de valores: a) Quintas e casais com interesse cultural e de recreio; b) Área de paisagem de valor cultural; c) Infraestruturas tradicionais de apoio à atividade agrícola; d)Percursos culturais e de recreio.” (p. 22)
Uma parte muito importante também do documento é a do Título XI, que diz respeito à “Programação e execução”, e onde se enumeram os objetivos a atingir nas chamadas “Unidades e Subunidades Operativas e Planeamento e Gestão” (p. 27 e segs.). Também por exemplo, o Anexo I (p. 37 e segs.) contém uma listagem dos Conjuntos de Valor Patrimonial, dos Elementos de Valor Patrimonial, dos Valores Arqueológicos e dos Valores com Interesse Paisagístico. Ora, cada um dos tópicos enunciados nessa lista, bem como muitos dos temas abordados no documento, dariam para outros tantos artigos desta minha rubrica de “Paisagens e Patrimónios.”
Assim, cada autarquia, seja ela predominantemente rural, predominantemente urbana, ou uma mescla complexa das duas, como acontece com Loures (o que é próprio das periferias, mas não já num sentido pejorativo do termo, sentido esse completamente ultrapassado) põe problemas particulares na sua gestão, na sua valorização, na travagem do que pode ser negativo para a vida coletiva, na correção de erros do passado e na perspetivação de futuros, com outras centralidades, com formas originais de urbanismo (por exemplo, tentando articular melhor, “coser” de modo orgânico, as diferentes unidades que se foram implantando no território, etc., etc.)
Importa precisamente, assumidas as dificuldades de se estar perante a proximidade da capital do país, que atrai como grande íman muitas pessoas para o trabalho ou para o lazer, fixar localmente atividades produtivas (de todo o tipo, incluindo as culturais), no melhor sentido do termo, isto é, atividades que autonomamente enriqueçam o quotidiano concelhio, o qualifiquem, o distingam. E isso é um problema financeiro, sim, mas é também um problema de imaginação, sabendo inclusivamente aproveitar as pessoas e os fluxos tradicionalmente sedeados em Lisboa.
Hoje em dia a capital é uma das cidades mais procuradas pelo turismo; isso é bom, mas também tem o inconveniente das grandes massas que invadem o centro, que se enche de hotéis e de restaurantes, de lojas “very typical”, etc., o que causa inclusivamente problemas aos residentes. O cosmopolitismo é agradável, mas de algum modo, se feito pelo turismo, é superficial e plastifica a oferta, que em todas as cidades europeias gira em torno de marcas ou de modas, de forma por vezes um tanto cansativa.
Não se trata de fazer a apologia do subúrbio, que tem muito de menos bom também, mas de referir que o que importa é, sem complexos de superioridade ou inferioridade, ligá-lo o mais possível a diferentes destinos, ou seja, articulá-lo com a circulação hoje tão característica do mundo em que vivemos.
Nesse sentido, por exemplo, seria crucial que a linha do metropolitano de Lisboa que vem até Odivelas, chegasse a Loures, facilitando o rápido acesso à capital, e vice-versa; que existissem na nossa sede do concelho infraestruturas que permitissem a realização de congressos e outros eventos que trouxessem pessoas com poder de compra e diversas exigências culturais (no sentido mais alargado do termo) que animariam a economia (hotelaria, centro de congressos ou, pelo menos, “hotéis de charme” que poderiam estar espalhados pelo concelho, aproveitando as suas quintas, e um bom auditório multiusos).
Seria talvez também importante ainda, criar aqui, para além do que já existe e acontece, um evento cíclico de escala razoável, com visibilidade, que fundasse uma “marca” cultural de grande qualidade, que criasse, pois é assim que as coisas nascem, uma nova “tradição”. Problema de imaginação, mas, atenção: problema não apenas nem sobretudo dos responsáveis técnicos e políticos, que já fazem muito, mas dos próprios munícipes, da iniciativa individual, de todos nós.
Terra de acolhimento dos mais variados tipos de pessoas, Loures pode tirar ainda mais partido dessa riqueza humana. Nada é estático neste mundo, muito menos as suas paisagens, os seus patrimónios. Elas são apenas pretextos, mediadores, para as linhas do futuro abrirem espaço para novas sociabilidades, evitando qualquer folclorização das culturas e muito menos o seu fechamento, a sua guetização.