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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Impacto do Grande Terramoto de 1755 na região de Lisboa

4 de novembro de 2024
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O dia 1 de novembro de 1755 ficou na memória como um dos mais terríveis da história moderna devido ao grande Sismo que assolou principalmente a cidade de Lisboa, mas também outras partes do então reino de Portugal, incluindo a zona do Algarve. O Terramoto de 1755, como ficou conhecido, terá atingido a magnitude de 9 na escala de Richter, começando o chão a vibrar pelas nove horas e meia da manhã, abalos que foram sentidos, de acordo com os testemunhos da altura durante duas horas.
Este Sismo teve um grande impacto político e socioeconómico na sociedade portuguesa do século XVIII, tendo suscitado por todo o munto polémicas reflexões filosóficas e religiosas acerca das possíveis causas de tão perturbador episódio. Efetivamente, gostaria de enfatizar que este acontecimento marcou um tempo antes e um após, como por exemplo o atentado de 11 de setembro às Torres Gémeas da cidade de Nova Iorque, no século XX., ou a epidemia Covid já no nosso século.
Ora, o espanto foi tal que a notícia correu por todo o mundo, suscitou interrogações sobre os porquês, sobre as possíveis causas explicativas de um fenómeno tão perturbador pela sua magnitude. Podemos mesmo afirmar que foi a partir do Grande Terramoto de Lisboa de 1755 que surgiram os primeiros estudos científicos sobre o tema, marcando o nascimento da sismologia moderna.
O assunto foi largamente discutido pelos filósofos iluministas, como Voltaire, mas também por muitos religiosos que defendiam que as causas não podiam ser encontradas em explicações naturais, entendendo-se o “natural” como sinónimo de científico ou pensamento racional. Ou seja, alguns religiosos e crentes afiançavam que a catástrofe se devia à vontade divina, logo a destruição e mortandade só podiam ser encaradas como uma punição imposta às sociedades por Deus pela sua vida dissoluta.
Muitos estrangeiros vieram visitar a cidade destruída pelo fatal abalo, deixando relatos, textos e imagens que juntamente com descrições de autores portugueses asseguram múltiplas “visões” do sucedido. Na realidade, várias obras literárias se inspiraram ou se referiram ao cataclismo, entre muitos autores menciono além de Voltaire, Kant, Humboldt, Goethe, Le Brun, padre Feijoo, Charles André, Goldsmith, Baretti ou Lemercier.
Todavia, além dos documentos históricos convém destacar igualmente o contributo da arqueologia para o conhecimento da história de Lisboa. Aproveito para mencionar um link para um podcast, naturalmente disponível online, “Histórias de Lisboa: arqueólogos, arquitetos, historiadores e outros investigadores revelam os segredos fascinantes da capital portuguesa”. Neste episódio é abordada uma intervenção arqueológica realizada na baixa lisboeta, concretamente nas proximidades do atual Rossio, escavação essa que recuperou parte do quotidiano de uma habitação devastada pelo terramoto e posterior incêndio: https://open.spotify.com/episode/1SE0HRtwhGcMbvenYHBwQG
O Terramoto de 1 de novembro de 1755 foi sentido noutras partes do reino, tema que abordarei na próxima crónica. Com base em descrições de autores da época e de estudos historiográficos procurarei aportar informação sobre os impactos do sismo na região que atualmente corresponde ao concelho de Loures. Recordo que à época, todo este território estava incluído no Termo da cidade, e que o fluxo de pessoas e mercadorias entre esta área mais rural e o centro urbano era considerável. Muitos dos produtos aqui produzidos eram escoados para Lisboa, bens não só essenciais para o abastecimento dos habitantes da capital do reino, mas também para exportação. As embarcações multiplicavam-se no estuário do Tejo e nos seus afluentes como o rio Trancão e a várzea de Loures. Uma rede de Estradas Reais cruzavam o Termo e ao longo delas várias povoações estavam agregadas às respetivas paróquias. Devido à proximidade com Lisboa toda esta região sentiu os efeitos tanto do terramoto como no tsunami a todos os níveis, tanto políticos como socioeconómicos, e também ao nível do imaginário.
Ora, caberá aos párocos de todo o reino responder a um questionário sobre o impacto do sismo. Com efeito, num aviso de 18 de janeiro de 1758 do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo (futuro marquês de Pombal), fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas, e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto. Por sua vez, as respostas deveriam ser remetidas à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino constituindo esse acervo documental uma importante fonte disponível a todos os interessados no Arquivo da Torres do Tombo, com possibilidade de consulta online: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4238720

(continua na próxima crónica)

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