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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Impacto do Grande Terramoto de 1755 em Sacavém

11 de dezembro de 2024
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Retomando o tema da crónica anterior, começo por recordar aos nossos leitores que o evento do dia 1 de novembro de 1755 foi tão avassalador que é de todo impossível, neste espaço, dar nota do tanto que se escreveu, quer por aqueles que presenciaram diretamente a catástrofe, quer por muitos outros que por toda a europa se interrogaram. Na realidade, muitos foram aqueles que procuraram entender tamanha calamidade, principalmente numa cidade cosmopolita, com um porto internacional ao qual aportavam de todas as partes do mundo não só mercadorias como pessoas.
Por exemplo, Joaquim José Moreira Mendonça na sua obra História Universal dos Terramotos (1758), procurou expor de uma forma mais organizada o primeiro balanço dos efeitos do Grande Terramoto, assim como do Tsunami ou Marmoto que lhe sucedeu. Partindo da sua visão de habitante lisboeta afirma que as águas alargaram o bairro de São Paulo, e a sua força era tanta que, usando as suas próprias palavras esse “(…) espanto das águas” espalhou o perigo pelos habitantes atordoados pela destruição dos edifícios, de que também o mar representaria outra ameaça, as águas tempestuosas viriam estuário adentro tomar a cidade e os sobreviventes: “Havia muita gente buscado as margens do Tejo, por se livrarem dos edifícios, cheios de horror da vista das suas ruínas. Eis que de repente entra o mar pela barra com uma furiosa inundação de águas, que não fizeram igual estrago em Lisboa que em outras partes, pela distância que há de mais de duas léguas desta Cidade à foz do rio. Contudo, passando os seus antigos limites se lançou por cima de muitos edifícios e alagou o bairro de S. Paulo. Cresceu em todos os que haviam procurado as praias o espanto das águas, e o novo perigo se difundiu por toda a Cidade, e seus subúrbios, com uma voz vaga, que dizia que vinha o mar cobrindo tudo.”
Ora, como é do conhecimento geral, Sacavém fazia parte do Termo da cidade de Lisboa, estava profundamente ligado a esta, não só pela proximidade e consequentemente pela rede de estradas que possibilitavam a movimentação das pessoas e dos bens produzidos na região da várzea de Loures, mas principalmente pela sua ligação fluvial.
O Lugar de Sacavém, como então era mencionado, ficava situado junto da foz do rio Trancão, via fluvial que garantia uma das acessibilidades mais importantes entre esta povoação e a capital do reino. Assim, Sacavém era igualmente não só um interposto entre os produtos produzidos nesta região com todo o comércio nacional e internacional, pois certamente que alguns desses mesmos produtos não se destinariam somente à alimentação da grande urbe, mas para alguns para exportação como o sal e os vinhos.
Segundo as Memórias Paroquias (disponíveis online no Arquivo Nacional da Torre do Tombo) a freguesia de Sacavém teria trezentos e cinquenta e três fogos (habitações) e mil quinhentas e noventa e uma pessoas, incluindo neste “censo” elaborado pelo pároco que respondeu ao questionário, não os adultos, como as pessoas menores e também outras de fora, como por exemplo trabalhadores temporários.
Tanto o estuário do Tejo como alguns dos seus afluentes, e neste caso o rio Trancão estavam sujeitos às marés, circunstância que como já referi em crónicas anteriores possibilitou durante muito séculos a lucrativa exploração de salinas, e também uma grande diversidade de peixe. Se o marmoto entrou pelo Tejo adentro e alastrou pelos bairros de Lisboa, é possível que o fluxo das águas tenha também atingido o rio Trancão, e possivelmente Sacavém. Todavia, ainda não encontrei testemunhos, relatos ou outro tipo de fontes que confirmem esta minha suposição.
Sabemos que em 1755 Sacavém estava dividida em dois polos urbanos distintos, um mais elevado onde se situavam a maioria das casas, incluindo a grande Torre e alguns edifícios religiosos, assim como casas de gente mais abastada; e, Sacavém de Baixo, junto à margem do rio, onde predominava a atividade comercial e piscatória, com os seus armazéns, onde por exemplo se armazenavam vinhos produzidos na região. Neste local, Sacavém de Baixo, existiam três cais, estruturas que possivelmente pouco resistentes, feitos em madeira e do tipo palafiticos, mas cada qual com a sua designação: o cais de Nossa Senhora; o cais da Barca e o cais do Peixe. Junto a estas estruturas naturalmente estariam embarcações de vários tipos, que tal como as outras que se encontravam em Belém ou na Praça da Ribeira devem ter sofrido o impacto da agressiva maré desse fatídico dia...

(continua na próxima crónica)

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