Anuncie connosco
Pub
Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Impacto do Grande Terramoto de 1755 em Sacavém

6 de janeiro de 2025
Partilhar

(continuação da crónica anterior)

Recorrendo novamente às Memórias Paroquiais o texto afirma que a antiga Torre ficou muito arruinada, de tal maneira que teve de ser demolida e reconstruída. Era neste edifício que se realizavam as audiências às quais costumavam assistir os Almoxarifes. Durante o período em que durou a obra de reconstrução da torre, as mencionadas audiências passaram a ser realizadas numa casa em Camarate. Saliento, uma vez mais, que Sacavém era do arcebispado ou patriarcado de Lisboa, pertencia ao padroado Real e Sereníssima Casa de Bragança e era cabeça do reguengo que na altura compreendia as freguesias de Camarate, Apelação, Unhos, Frielas, Santo Antão do Tojal e Charneca. Ao nível administrativo tinha não só o Almoxarife, assim como um escrivão e demais oficiais. O Almoxarife era um funcionário real responsável pela cobrança e arrecadação de impostos. Mas, sendo Sacavém um lugar do Termo da cidade de Lisboa, também possuía dois juízes vintaneiros, escrivães e alcaide por parte do Senado, por sua vez sujeitos à jurisdição do Corregedor de Alfama, ou seja, funcionários relacionados com a administração da cidade de Lisboa.
Segundo as fontes documentais, parte mais elevada de Sacavém, no século XVIII, acomodava o núcleo principal da povoação, com a aludida Torre, demais casario e, no centro do lugar, a respetiva paróquia. Só que este edifício religioso já tinha sido mandado demolir, segundo as Memórias Paroquiais, “(…) por ordem de Sua Majestade Fidelíssima El Rei D. João V (…) para se reedificar de novo e com efeito se principiou a essa reedificação ficando somente uma parede feita até cimalha da parte do Norte e haverá onze ou doze anos não se continuou mais nada na dita obra e se diz que por falta de continuação, cada parede pelo terramoto não teve prejuízo algum(…)”
Ora, por causa desta obra inacabada, o Santíssimo já tinha sido transferido para a Capela de Nossa Senhora da Vitoria antes do grande terramoto, capela que passou a servir temporariamente de freguesia. Contudo, este templo, a Ermida de Nossa Senhora da Vitória “(…) no dia do terramoto teve grande ruína e de alguma sorte está já reedificada com esmolas que se tiram pelo povo de quem é a dita ermida.” - segundo o relato do prior de Sacavém, Jorge Afonso Godinho. Ainda sobre a destruição do edificado ele aponta que fora da povoação quatro ermidas ficaram muito arruinadas, nomeadamente na Quinta das Pincheiras, outra na Quinta da Torres, assim como na Quinta dos Sequeiros e uma outra na Quinta de João Agostinho Salvado.
Além das perdas materiais, como casas e/ou ermidas, há uma também uma referência importante: a destruição total ou parcial de alguma da documentação existente, com o por exemplo, o Livro da Visitação feita pelo Bispo D. Vasco; “As quais adições estão na dita Igreja de Santa Maria de Sacavém (…) no dito Livro o qual está na Casa da Fazenda, e cartório do Cabido, e era todo em pergaminho. Era encadernado, Tábuas de pau coberto de couro branco em cada uma pintadas cinco rodas (…)”. Este exemplo, serve para recordar que o terramoto, o marmoto e os incêndios levaram também muitos documentos, obras raras e preciosas como a biblioteca de música de D. João V, para mencionar uma das muitas perdas. Nunca é demais salientar todo o impacto social e económico que as populações sofreram, para além dos muitos que morreram. No caso de Sacavém, e atendendo apenas ao relato do já mencionado prior, não houve mortes diretas associadas à calamidade de 1 de novembro de 1755.
Na próxima crónica ainda irei focar outros locais que sofreram com o Grande Terramoto, exemplo Unhos, Frielas e Santo Antão do Tojal. Para melhor conhecer o impacto que este fenómeno extremo teve nas populações, as Memórias Paroquiais são documentos muito interessantes, uma vez que abarcam todo o reino. Mas, existem outras fontes da época, como as Gazetas impressas e manuscritas, as Folhas, as Cartas e os Diários, para não mencionar os relatos escritos e gráficos que tanto portugueses, mas principalmente estrangeiros nos deixaram quando visitaram Lisboa após a Catástrofe.
Termino esta crónica desejando, a todos os nossos leitores, um ano de 2025 esperançoso! Votos de um novo promissor (re)começo!

Última edição

Opinião