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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

O Carnaval e a sua associação às Festas do Ciclo de Inverno

3 de fevereiro de 2025
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A festa comumente designada de “Carnaval” ou também “Entrudo” é um tipo de celebração que os vários povos da Europa já praticavam muito antes da chegada do cristianismo. Na verdade, é uma celebração que acontece há muitos séculos e que em tempos mais recuados, no hemisfério norte, fazia parte das manifestações associadas ao largo ciclo festivo de Inverno. Já nessa época, esse momento festivo se caraterizava por implicar uma inversão da ordem social, grande agitação, excessos e forte carga religiosa, acontecimento que ajudava a definir os ritmos do ciclo anual. Isto significava que esta festa fazia parte de um grupo de ritos sagrados associados às práticas religiosas pagãs ou pré-cristãs. Estes rituais e práticas místicas procuravam equilibrar o quotidiano em conciliação com os ciclos da natureza, onde a devoção a certos deuses era uma prática essencial de forma assegurar a sua proteção.
Nos finais do século XIX e inícios do século XX vários autores começaram a interessar-se por este tipo de celebrações, entre eles destaco James Frazer, Emile Durkheim, Georges Dumézil, e o grande historiador das religiões Mircea Eliade, investigadores que relacionaram estes eventos com práticas arcaicas, cultos agrários e rituais expurgatórios, articulados com certas divindades da fertilidade.
Uma das fontes privilegiadas para o estudo destas manifestações são os textos greco-romanos, redigidos por pensadores e poetas da antiguidade, como Ovídio, Estrabão, Eurípides, Macróbio entre outros, que nas suas obras descrevem as práticas rituais relacionadas com certas divindades, praticas essas que marcavam o calendário anual, como já referi. Também as fontes icnográficas, as esculturas e gravuras fornecem igualmente informação sobre a vivências dessas comunidades, bem como a arqueologia. Em Portugal, um dos primeiros autores a interessar-se por este tema foi José Leite de Vasconcelos (linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo português) que entre várias obras publicou, ainda no final do século XIX, em 1895 (início da publicação do 1º volume), a sua principal obra “As Religiões da Lusitânia”.
Já no século XX outros investigadores se interessaram pelas manifestações das festas da cultura popular tradicional. Destaco os trabalhos de Ernesto Veiga de Oliveira e de Benjamim Pereira, mas também os estudos antropológicos de António Penelo Tiza e de Paula Godinho sobre as festividades portuguesas ligadas às celebrações do ciclo de inverno, especialmente na região norte do nosso país. Ainda sobre esta tema importa também mencionar, para os interessados, a obra do historiador Julio Caro Baroja fundamental para o estudo do Carnaval tanto em Espanha como na Europa.
Na verdade, muitos estudiosos discutiram sobre a etimologia da palavra Carnaval. Tanto os linguistas e como os historiadores do século XIX afirmavam que a palavra Carnaval derivava do termo latino currus navalis, que implicava uma referência a uma procissão realizada com grande pompa na Roma antiga, onde uma espécie de barco sobre uma carroça e pessoas disfarçadas acompanhavam as festividades romanas que ocorriam a 5 de março, em homenagem à deusa Isis. Posteriormente, esta hipótese foi sendo substituída pela noção de que o Carnaval está ligado à ideia cristã do jejum e da quaresma, sendo que Carnevale em italiano significava “adeus à carne”. Ou seja, o Carnaval seria um momento de excessos, de inversão da ordem social, de divertimento e riso que antecedia o momento da quaresma e, portanto, da privação e da contenção.
Ainda sobre a origem ou significado da palavra Carnaval em muitos locais a mesma pode ser substituída pela palavra Entrudo, ou Entroido, termo que provém do latim Introitus que significa “entrada”. Mais uma vez, a festa do Entrudo fazia parte do conjunto das festas pagãs que celebravam precisamente a chegada da primavera. Mas, o Carnaval e ou o Entrudo à medida que o cristianismo se expande e se torna a religião oficial do império romano, começa a ser um momento festivo determinado pelo dia da Páscoa, relacionando-se assim com uma narrativa cristã, com a história de Cristo.
(continua da próxima crónica)

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