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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Ainda a propósito das geopaisagens do nosso concelho

8 de julho de 2024
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Prosseguindo a divulgação do património geopaisagístico do território de Loures, esta crónica de julho colocará em evidência o afloramento calcário do Alto do Penedo Mouro, localizado na freguesia de Lousa - e mais concretamente numa área “encostada” ao limite do concelho vizinho de Mafra –, sítio ao qual se poderá ter acesso quer a partir do lugar de Fontelas, quer da aldeia de Carcavelos. Como já mencionei na crónica anterior, as paisagens da nossa região, de um ponto de vista geomorfológico, e muito esquematicamente, caraterizam-se por dois modelados distintos, o cársico (relacionado com rochas calcárias, sedimentares) e o vulcânico (derivado da presença de basaltos, de origem vulcânica, como é sabido). Ora, o Cabeço do Penedo Mouro, como é também por aqui conhecido, corresponde a uma unidade territorial de certa valência geopatrimonial, situada, como o topónimo indica, numa zona topograficamente elevada, circunstância que evidentemente contribui para o distinguir como um marco significativo na paisagem, visível de diferentes pontos do território envolvente.
Tendo subido a este local, e interessado em observar as formas cársicas, situadas entre os terrenos agricultados do topo e as vertentes inclinadas cobertas de arbustos, o visitante poderá aceder ao lapiaz, em posição sub-horizontal, formação rochosa calcária do período Cretácico da História da Terra (período esse que decorreu há vários milhões de anos).
Esses afloramentos calcários têm por vezes alguma imponência, apresentando formas muito particulares, algumas delas lembrando, à imaginação popular, grandes cabeças humanas cobertas por turbantes, as quais evocariam, segundo a tradição oral, a forma de “mouros”. Mas sabemos que a presença antiga de muçulmanos foi tão intensa no nosso território nacional que é muito comum encontrar referências a “mouros”, por parte das populações locais, e sempre reportadas a um passado mítico, em diversíssimas circunstâncias.
Este local corresponde, segundo os geólogos, a um “campo de lapiaz”, ou seja, a uma área com formas que esses especialistas designam lapiares, constituindo superfícies cársicas mais ou menos irregulares, neste caso caracterizadas por fendas ou ranhuras. Tais formas devem-se à ação erosiva, sobretudo da água, a qual, infiltrando-se em áreas mais suscetíveis da rocha calcária, despida de vegetação ou coberta por sedimento pouco espesso, abre aí, por dissolução, as referidas fendas, canais que podem ter, de vários centímetros de largura/profundidade, até mais de um metro. De acordo com Rogério Santos (no seu relatório de mestrado intitulado “Levantamento do Geopatrimónio no Concelho de Loures e Definição de Percursos Geoturísticos”, de 2014, que consultei para elaborar a presente crónica) estas alterações erosivas da rocha apresentam fendas em forma de U, o que significa que este afloramento já se encontra há muito tempo exposto aos agentes erosivos.
Seguindo o mesmo autor, importa igualmente assinalar que na superfície deste lapiás também se desenvolveram outras formas geológicas de pormenor, que, é claro, igualmente derivam dos mencionados processos de dissolução dos calcários. As formas mais comuns observáveis são as chamadas bacias ou pias de dissolução, depressões de forma circular, as quais se encontram distribuídas sobretudo ao longo das superfícies mais horizontais. Há igualmente sulcos ou regueiras, presentes nas bancadas com maior inclinação, por onde a água mais facilmente escorre, e situadas predominantemente a oeste do afloramento.
Até agora foquei-me na caraterização muito genérica deste geossítio, e dos seus processos de erosão no tempo longo, tempo geológico, processos que explicam a morfologia atual deste local de interesse geopatrimonial. Mas, nele, temos evidências que nos mostram que já teria sido um sítio frequentado por comunidades da pré-história, uma vez que aqui foram recolhidos vários vestígios de artefactos e restos de talhe, em sílex, como atesta a Carta Arqueológica do Concelho de Loures. Além disso, já certamente de época histórica, podemos no sítio encontrar vestígios de preparação de mós, presumivelmente para moinhos de vento, tão característicos das nossas terras em tempos antigos.

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