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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

As Geopaisagens e o Geossítio da Chaminé Vulcânica

2 de junho de 2024
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Nesta e nas próximas crónicas será o património geopaisagístico de Loures o que estará em evidência. Todos sabemos que as paisagens que nos rodeiam estão intimamente relacionadas com a geologia de uma região e consequentemente com o tempo longo da história da terra. No entanto, muitas vezes desconhecemos os locais notáveis para o estudo da geologia sob o ponto de vista científico, ou para a sua fruição turística, seja pela particularidade das suas formações geológicas, pelo seu valor paleontológico ou pela sua natureza mineral. Esses tais locais geologicamente interessantes são designados por geossítios e, por conseguinte, são sítios de valor patrimonial que importa valorizar, salvaguardar e conhecer.
No território de Loures existem vários destes geossítios já identificados, na sua maioria acessíveis em termos de visitação, inseridos em unidades de paisagem que se caraterizam por dois modelados geológicos distintos, o cársico (calcários) e o vulcânico (basaltos). Nas geopaisagens de modelado vulcânico podemos encontrar formas basálticas como a chaminé vulcânica, a disjunção colunar ou esferoidal e as escarpas. Por sua vez, no modelado cársico, a paisagem pode apresentar formas maiores ou de pormenor; entre as maiores encontramos grutas, cornijas, algares e escarpas. Estudos geológicos sobre o território de Loures atestam a presença destes elementos, alguns deles representando mesmo um certo valor turístico (merecendo visita do público comum), para além do científico.
O primeiro sítio que seleciono do património cultural e ambiental de Loures é a área correspondente à Chaminé Vulcânica do Cabeço de Montachique, geossítio localizado no sector mais a NW do concelho, na freguesia de Fanhões; é uma elevação que se destaca das restantes da região, precisamente por ser o ponto mais alto do concelho, na verdade, encontra-se a uma altitude absoluta de 409 metros. Do seu topo é possível observar uma vasta região, ou seja, toda uma área de Lisboa até Setúbal, abarcando não só a várzea de Loures como parte do estuário do Tejo, assim como a Serra do Socorro, esta na região oeste.
Esta chaminé vulcânica é uma das mais caraterísticas entre as conservadas em todo o Complexo Vulcânico de Lisboa. Como é do conhecimento geral, grande parte do território do concelho de Loures está inserido nesse complexo. Significa isso que esta realidade geológica materializa a atividade ígnea que afetou a chamada Bacia Lusitaniana, tendo uma idade de 72 Ma (milhões de anos) e cuja formação é síncrona à abertura do Oceano Atlântico. São fenómenos da história da Terra que nos parecem muito distantes no tempo, muito mais longo do que o tempo humano.
Em Portugal, atualmente, apenas existem vulcões ativos no arquipélago dos Açores. Todavia, há cerca de 70 milhões de anos, no decurso do período geológico designado Cretácico Superior, a parte continental do nosso país teve uma intensa atividade vulcânica responsável pelo já referido Complexo Vulcânico de Lisboa e nomeadamente pela estrutura vulcânica do Cabeço de Montachique, em que agora estamos focados.
Para os especialistas o Complexo Vulcânico de Lisboa é constituído por uma sucessão de formações que correspondem a uma atividade vulcânica que nem sempre decorreu de forma homogénea. Isto é, ao longo da sua formação houve fases de maior intensidade, alternadas por outras mais calmas. Ora, os indicadores parecem apontar para que na região de Lisboa-Loures-Mafra a dita atividade vulcânica tenha sido do tipo chamado estromboliano, ou seja, caraterizado pela efusão de lava entrecortada por períodos explosivos, com projeção de cinzas e materiais piroclásticos.
O vulcão do Cabeço de Montachique terá sido, na sua fase ativa, do tipo efusivo/misto, porque apesar de serem visíveis os vestígios de uma cratera principal (topo da elevação) e de uma outra secundaria (correspondente grosso modo à zona ligeiramente aplanada a poucos metros do topo), as suas vertentes suaves resultaram da emissão lenta de lava, apesar de intercalada com alguns episódios explosivos de pouca violência. Este tipo de atividade vulcânica acontece quando o magma proveniente do interior da terra é bastante fluído. A lava, pouco viscosa, acaba por cobrir vastas extensões de terreno.
No topo da Chaminé Vulcânica do Cabeço de Montachique existe outro elemento geológico muito interessante que o visitante poderá observar. Trata-se de uma disjunção prismática ou colunar. Esta geoforma deve-se a um tipo de alteração das rochas vulcânicas aquando do seu arrefecimento e solidificação. No fundo, correspondem à formação de grandes prismas de rocha separados por diaclases paralelas, perpendiculares à superfície principal de arrefecimento, formando assim os tais prismas de forma hexagonal em resultado das tensões que se geraram durante o processo de esfriamento da lava.
Espero que a crónica de hoje motive os leitores a visitarem este local, não só para usufruírem de um ponto paisagístico excecional, como também para estarem atentos aos elementos geopatrimoniais ali existentes. Termino referindo que esta elevação fez parte das Linhas de Torres, justamente porque aqui foi instalado um dos postes de comunicação do sistema de telégrafos óticos que funcionou à época (1810) e que estava articulado com o posto sitiado na Serra do Socorro. O Cabeço de Montachique é um lugar onde vários tempos se cruzam… e é sem dúvida um dos valores patrimoniais e paisagísticos do nosso concelho, sendo visível de consideráveis distâncias.

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