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Lições do passado, perspetivas de futuro (Parte I)

Derrapagens nas obras públicas

3 de setembro de 2016
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Constantino Dias Teixeira, a viver na Portela há mais de uma década, concluiu, no dia 18 de Dezembro passado, as provas de doutoramento em Gestão Empresarial Aplicada, no ISCTE-IUL, defendendo a tese "Avaliação de Projectos de Investimento Público”, tendo obti¬do aprovação com distinção.

Os grandes desvios financei¬ros verificados em projectos de investimento público realizados, em Portugal, nos últimos 20 anos, constituíram o grande factor de motivação e justificação do seu trabalho de investigação, o qual foi considerado muito rele¬vante e de interesse público, por parte do júri de avaliação da tese.

Face a este enquadramento, para se ter uma noção da real dimensão dos encargos para os contribuintes, resultantes de compensações directas pagas à concessionária sob forma de reequilíbrios financeiros, no caso das Parcerias Público Privadas (PPP) e desvios nos custos previsionais, referentes às mais mediáticas obras públicas por gestão directa do Estado, realizadas nos últimos anos em Portugal ascendem, num total de 23 projectos analisados no estu¬do, a mais de 4,3 mil milhões de euros. Ou seja, cerca de 2,5% do PIB português em 2014 e mais do que o corte de 4 mil milhões de euros nas funções sociais do Estado, anunciados em 2012, pelo XIX Governo Constitucional de Portugal, como necessários para garantir a sustentabilidade das finanças públicas a médio prazo (entre 2014 e 2017).

Estes desvios superiores a 4,3 mil milhões de euros consubs¬tanciam pesados encargos adi¬cionais para o Estado, designa¬damente por via de trabalhos a mais, erros, alterações e omis¬sões de projecto, reequilíbrios financeiros, entre outros, cujos efeitos práticos se traduzem na oneração do custo final dos pro¬jectos públicos para os contri¬buintes.
A Tabela seguinte faz um resumo do montante global dos desvios em custos das principais obras públicas, PPP’s e subconcessões de estrada analisadas no estudo.
Assinale-se que estes valores apenas se referem aos desvios das despesas de investimento previsionais, não integram poten¬ciais desvios de proveitos e bene¬fícios, numa lógica de análise de custo-benefício social porque, na maioria dos casos analisados, não houve uma quantificação nem à priori nem à posteriori des¬ses benefícios porque, se assim fosse, provavelmente, os des¬vios financeiros em causa seriam ainda mais significativos.

Causas dos Desvios das Obras Públicas e das PPP

Os factores que mais contribuí¬ram para a situação de despe¬sismo de dinheiro público, cujos resultados se traduziram em ele¬vados desvios de prazo e de custo face às estimativas iniciais, assentam na falta de observância de critérios baseados na econo¬mia, na eficiência e na eficácia da aplicação dos dinheiros públi¬cos. O despesismo verificado na execução de grandes projectos e obras públicas constitui, tam¬bém, o resultado de um défice de planeamento e de qualidade dos projectos elegíveis para efeitos de financiamento público.
Por outro lado, constatou-se tam¬bém que as causas daqueles desvios, em regra, se repetiam sistematicamente. No âmbito da execução física das obras realiza¬das, em regime de gestão direc¬ta, os desvios financeiros verifi¬cados resultaram, no essencial, das seguintes causas: ausência de estudos prévios; falta de revi¬são dos projectos; execução de trabalhos, em simultâneo com a elaboração do projecto; trabalhos de alteração e trabalhos a mais, por erros e omissões de projecto ou por circunstâncias imprevistas e prorrogações de prazos. Todas estas causas envolvem, na prá¬tica, um défice de planeamen¬to, por parte do Dono de Obra, colocando, assim, em causa os princípios da eficiência, eficácia e economia que devem nortear a gestão do dinheiro público e, em particular, a gestão de obras e projectos públicos.
Justificação
A partir deste trabalho de inves¬tigação, constatou-se que existe um forte défice de investigação científica, cujo foco seja a análi¬se da qualidade do processo de avaliação de projectos relaciona¬dos com investimentos públicos em geral, nomeadamente com ênfase nas questões relativas à isenção, imparcialidade, rigor do processo e das fontes subjacen¬tes. Esta situação apresenta-se particularmente relevante em Portugal, passadas duas déca¬das de investimento público com enormes desvios orçamentais e, findos os mesmos, poucas ou nenhumas lições aprendidas obtemos, o que indicia estarmos na eminência de repetir o fenó¬meno.

Em Portugal é visível a ausência de uma análise aprofundada aos pressupostos técnicos, económi¬cos e financeiros, que fundamen¬tam a decisão de investimento (ex ante), assim como na fase de exploração (ex post). Na maioria dos projectos públicos não se possibilita a avaliação natural dos resultados e das consequências da sua realização, o que acaba por inviabilizar a aquisição de experiência e dados úteis, sob a forma de lições aprendidas (Lessons Learned), para as futu¬ras decisões sobre investimentos semelhantes, a realizar posterior¬mente.
Objectivo e Contributos da Investigação

O objectivo nuclear desta inves¬tigação é pois responder a uma lacuna consensualmente aceite entre os portugueses, que tem a ver com a ausência de uma prática sistemática de avaliação das causas (ex ante), associadas aos enormes desvios dos projec¬tos de investimento públicos e, a partir desse diagnóstico, em fase de exploração, propor soluções que possibilitem minimizá-los no futuro ou, que permitam poten¬ciar o sucesso dos projectos de investimento públicos.

O contributo pretendido é essen¬cialmente de natureza prática, orientado para a gestão das empresas em geral e para o sector empresarial do Estado em particular, podendo ser decor¬rente, como se espera, de uma generalização teórica das conclu¬sões, extraídas de uma análise das fragilidades do processo de avaliação do projecto de investi¬mento, que é objecto de Estudo de Caso no presente trabalho de investigação.

Na próxima edição do NL serão apresentadas (Parte II) as prin¬cipais conclusões deste estudo, formulando-se um conjunto de soluções e recomendações que potenciam os resultados a alcan¬çar com a realização dos projec¬tos públicos e minimizam os ris¬cos da sua implementação, tendo em consideração os objectivos de interesse público previamente fixados e a obtenção de sete lições, aprendidas com o estudo de caso realizado, que podem contribuir, de forma relevante, para a prevenção de situações de risco, em termos de despesis¬mo de dinheiro público, observa¬das no passado, em Portugal.

Constantino Teixeira
Economista

Este colunista escreve em concordância com o antigo acordo ortográfico

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