Das Notícias e do Direito
Advogado, profissional em vias de extinção
4 de fevereiro de 2024
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Foram aprovadas pela maioria parlamentar, em vésperas da dissolução, e após o veto presidencial, a alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados e ao Regime Juridico dos Actos Próprios.
A este propósito, quem promoveu estas alterações foi propagandeando obrigações de não limitar a concorrência e permitir melhor e mais rápido acesso a informação, o que não é, de todo, verdade.
Mas, o que interessa a verdade, quando se matraqueia tantas vezes a mesma estória, até que esta ganha contornos de realidade?
Ao longo de quase 30 anos do exercício da advocacia, primeiro enquanto Advogada-Estagiária, assisti a poucas causas ganhas de antemão!
No entanto, algumas existiam, a saber, aquelas que tinham por fonte contratos realizados por não advogados, umas vezes por guarda-livros, outras por quem ía copiando as minutas em tempos elaboradas por advogado. Resultado, não actualização da legislação aplicável, falta de elementos obrigatórios, que geravam nulidade, etc…, acção em tribunal e ganho de causa!
A diminuição dos actos próprios dos advogados e solicitadores, não vai proteger o cidadão ou a empresa, diminuir-lhes os custos jurídicos, nem, tão pouco, facilitar-lhes a vida.
Imagino, porém, que vá aumentar a litigiosidade decorrente do aumento dos conflitos, precisamente resultado do aconselhamento jurídico e da elaboração, cópia de contratos, feitas e cobradas por qualquer um.
Veja-se que os únicos actos exclusivos dos advogados, são os constitucionalmente consagrados, no domínio dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Assim, o acompanhamento por advogado junto de qualquer autoridade, ou ser assistido por advogado, defensor do arguido, em processo penal.
Andou mal o legislador nacional.
Não se trata de livre concorrência, mas antes de libertinagem.
Um Advogado, antes de Bolonha, tem, pelo menos, 17 anos de escola, estágio obrigatório, depois de Bolonha, tem, pelo menos, 16 anos de escola, estágio obrigatório, e sempre a sujeição às normas deontológicas da profissão, estando sujeito ao poder disciplinar da Ordem.
Um advogado para cobrar uma dívida, envia carta de interpelação, elabora acordo de pagamento, dá entrada de acção.
Contrariamente, muitos se queixam do constante assédio telefónico das empresas cobradoras de dívidas, para casa, a horas despropositadas, para o trabalho, comumente com ameaças mais ou menos veladas, quando não mesmo «perseguições» na rua, à porta de casa, do emprego, da escola.
Um advogado quando elabora um contrato, seja de trabalho, arrendamento ou promessa de compra e venda, confirma os requisitos legais (com as constantes alterações legislativas, isto é uma obrigação), verifica a conformidade dos documentos e apresenta-o às partes, fornecendo as necessárias e adequadas explicações. Mais, usa a sua experiência e conhecimentos de acções judiciais, sentenças proferidas e orientação jurisprudencial para acautelar posições contratuais e evitar incumprimentos, dificuldades de interpretação e litígios.
É um trabalho de continuo aperfeiçoamento.
Agora, os contratos podem ser copiados, transformados e adaptados, sabe Deus como!
Apesar de se preverem deveres de sigilo, por exemplo, não se sabe quem os vai controlar, ou prevenir, evitar e punir o conflito de interesses.
Mas, quer os advogados, quer os solicitadores, estão vinculados aos respectivos estatutos, à observância e estrito cumprimento da deontologia e sujeitos à jurisdição disciplinar das respectivas Ordens.
Os outros, não.
Se o povo já dizia «quem te manda a ti sapateiro, tocar rabecão?», agora talvez o cidadão se divida entre consultar o advogado, o cartomante ou a curiosa alcoviteira que sobre tudo opina.
Certo, certo, é que quando correr mal, lá nos encontraremos no tribunal (até ver).
Saúde e paciência, qual Job!