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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Saloias do pintor Silva Porto

4 de junho de 2023
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Esta crónica de junho é ilustrada por uma obra “Saloias” do famoso pintor naturalista António Carvalho da Silva, mais conhecido por Silva Porto. A mesma enquadra-se na sua imensa produção artística onde a Natureza foi a sua primordial fonte de inspiração. Remete imediatamente para uma outra obra, igualmente sua, “A Volta do Mercado”, pintura que retrata o regresso de uma família saloia a casa. Na realidade, na sua vasta e interessante obra podemos observar paisagens do mundo rural, com uma cor e luz quase fotográficas, onde o autor exalta terras e costumes, gestos de pessoas simples, como são exemplo obras como “A condução do rebanho”, “A salmeja”, “Seara”, “Ceifeiras” para mencionar apenas algumas. É correntemente aceite que Silva Porto que foi um dos fundadores do Naturalismo em Portugal.
Ora, Silva Porto terá viajado pela zona rural a norte da cidade de Lisboa, percorrendo aldeias, povoações, campos, rios… Sabemos que um dos seus filhos terá tido mesmo uma casa de veraneio no Freixial, povoação conhecida na época como a “Sintra Saloia” pela sua vegetação exuberante e clima fresco nos dias de estio. Como é do conhecimento geral nos finais do século XIX e inícios no século XX, a zona do Freixial era procurada por muito lisboetas que alugavam aqui casas para passarem os dias quentes de verão com as suas famílias. Gostaria aqui de mencionar que ainda tive o prazer de conhecer Dora Silva Porto, neta do pintor, senhora alegre, curiosa, inteligente que viveu no Freixial e que se recordava desses tempos de infância, onde muitos lisboetas ilustres vinham até à casa do seu pai.
Voltando ao pintor Silva Porto, este apesar de ter nascido no Porto e ter sido nessa cidade que iniciou a sua formação, será em Lisboa que afirmará a sua carreira, fazendo parte da tertúlia de artistas e intelectuais conhecidos como O Grupo do Leão, imortalizados no celebre quadro de Columbano Bordalo Pinheiro. Com efeito, este grupo reunia-se, na segunda metade do século XIX, na Cervejaria Leão de Ouro tendo sido responsável pelo sucesso do Naturalismo em Portugal, tertúlia que incluía outros jovens pintores que também se viriam a destacar como José Malhoa e os irmãos Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro. Ora este Grupo do Leão, que mais tarde deu lugar ao Grémio Artístico (a futura Sociedade Nacional de Belas Artes), foi responsável pela divulgação do Naturalismo no nosso país. Organizaram várias exposições para o feito, a primeira concretizada em 1881, onde o pintor Silva Porto apresentou mais de 20 óleos inspirados na natureza.
Silva Porto é descrito pelos seus contemporâneos como um homem de personalidade reservada, mas que sempre procurou ampliar a sua formação e experiência. Nasceu no Porto em 1850 e aos 15 anos matriculou-se na Academia Portuense de Belas Artes, instituição onde frequentou vários cursos: desenho histórico, escultura, arquitetura, anatomia e pintura histórica como último curso de especialização. Foi discípulo dos pintores João Correia e Tadeu de Almeida Furtado. Participou, em 1869, na X Exposição Trienal da Academia Portuense de Belas Artes.
Após o curso na Academia Portuense de Belas Artes conseguiu uma bolsa de estágio para Paris (1876-1877) onde frequentou a Escola Nacional e Especial de Belas Artes, tendo estudado com artistas consagrados como Yvon, Cabanel, Beauverie e Groseillez. Será nesta altura que conhece a chamada Escola de Brabizon, ou seja, um movimento artístico que integrou um conjunto de pintores franceses que numa atitude de aberta oposição ao sistema vigente trocaram Paris pelos arredores do bosque de Fontainebleau. Este movimento tinha como propósito abandonar o formalismo e o academicismo e em contrapartida procurar a sua inspiração diretamente na Natureza, com enfoque na pintura de paisagens. Em Brabizon conviveu com outros pintores, principalmente com Charles Daubigny e seu filho Karl.
Durante a sua estadia em Paris, Silva Porto produziu alguns trabalhos que foram expostos no “Salon” e na Exposição Universal, conquistando aplausos por parte da crítica. Prosseguiu a sua aprendizagem com uma permanência entre 1877 e 1878 em Itália (Roma, Florença, Veneza, Nápoles e Capri) onde pintou figuras femininas como a “Fiandeira Napolitana”. Regressou novamente a França, em 1878, para acabar a sua formação artística, onde executou como prova de estudo a paisagem de grande formato “Campo de Trigo; Seara - arredores de Paris”. Antes de regressar a Portugal ainda viajou pela Europa para conhecer a pintura dos grandes mestres paisagistas.
Volta a Portugal em 1879 com algum prestígio e é nomeado Académico de Mérito da Academia Portuense de Belas Artes. Ainda nesse mesmo ano será convidado pelo Vice-Inspector Delfim Guedes, seu grande admirador, a reger a cadeira de Pintura de Paisagem na Academia de Lisboa. Começa a frequentar o chamado Grupo do Leão o qual proporcionava não só um convívio entre artistas e intelectuais, mas também procurava difundir o trabalho dos mais novos, organizando várias exposições para o efeito.
Em 1880 apresentou as obras remetidas de Paris produzidas durante o seu estágio nessa cidade, obras que fizeram parte da 12º Exposição da Sociedade Promotora de Belas Artes, ganhando uma Medalha de Ouro com a “Charneca de Belas”, obra que o rei D. Fernando adquiriu. No ano seguinte, em 1891, Silva Porto participou em quatro exposições: Exposicion General de Bellas Artes, comemorativa do Centenário de Calderon, em Madrid, onde com o quadro “A Seara” obtém o Hábito da Ordem de Carlos III; a 13ª Exposição Trienal da Academia Portuense de Belas Artes; a 1ª Exposição do Centro Artístico Portuense; e ainda a 1ª Exposição de Quadros Modernos, promovida pelo Grupo do Leão. Durante os anos seguintes colaborou noutras exposições, nomeadamente aquelas organizadas pelo já referido Grupo do Leão e posteriormente pelo Grémio Artístico tendo conseguido mais distinções.
Com uma carreira brilhante morreu em 1893, apenas com 42 anos, deixando um vasto legado. O seu trabalho foi essencial para a renovação da pintura portuguesa no final do século XIX. Terá sido ele um dos principais promotores, juntamente com o pintor Marques de Oliveira, da pintura de ar livre. Na altura a sua obra foi associada a uma novidade estética, a pintura ao ar livre por contraponto ao habitual transporte dos elementos da natureza para o interior do atelier. Assim, a pintura de Silva Porto, cheia de luz e cor, é sobretudo inspirada na própria Natureza e encontra-se largamente representada em várias coleções, como no Museu de Arte Contemporânea, em Lisboa e no Museu Nacional de Soares dos Reis no Porto.

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