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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Aspetos dos rituais funerários do romanos

7 de novembro de 2020
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No mundo romano a maior parte dos rituais e práticas funerárias de carácter público (funus) decorriam num espaço próprio, a necrópole, lugar onde os defuntos eram depositados e onde ao longo do ano decorriam cerimónias evocativas da memória dos antepassados. Estas celebrações, conjunto de gestos e práticas simbólicas, possibilitavam não só o fortalecimento das relações entre indivíduos e parentes, mas também entre os diversos grupos sociais.

Podemos aceder a descrições destas práticas fúnebres através da leitura de fontes escritas dessa época. Contudo, convém salientar que as fontes clássicas narram os rituais das famílias mais ricas da sociedade romana, sendo omissas relativamente aos grupos sociais mais desfavorecidos. Mas, independentemente do estatuto social e económico do defunto, após o enterro, o local da sepultura convertia-se num espaço sagrado e inviolável (locus religiosus), no qual não se deveria interferir, fosse ela a sepultura de um cidadão romano ou de um escravo.

O ritual funerário na Roma antiga era constituído por vários momentos. A primeira parte desenrolava-se no espaço doméstico, assumindo por isso um carácter mais privado. A casa era adornada para o evento, a família passava a ser designada como família funesta, vestia roupa de cor preta e abdicava de qualquer tipo de cuidados de higiene pessoal como sinal de luto.

O corpo do defunto era preparado antes de ser exposto no átrio da casa. Isso significava que o corpo era lavado em água quente, perfumado e vestido com um manto enfeitado com as insígnias do morto. Seguindo uma tradição grega, era costume colocar na boca ou nos olhos do defunto, moedas destinadas ao pagamento a Caronte. Na mitologia grega Caronte era o barqueiro de Hades, ou seja, o barqueiro que carregava as almas dos falecidos do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. Importava, portanto, garantir a viagem…

A fase seguinte prosseguia com a exposição do defunto no átrio da casa, iniciando-se deste modo a parte pública do ritual funerário, o velório. No velório participavam familiares e conhecidos, durante um período que poderia chegar a sete dias. Era o momento de o morto ser exibido a todos aqueles que lhe desejassem prestar homenagem.

Após este momento realizava-se o cortejo fúnebre que terminaria na necrópole e junto à sepultura. Neste desfile participavam os familiares e uma série de indivíduos contratados, entre eles as carpideiras que tinham um papel preponderante na teatralização da dor. O choro das carpideiras e a música anunciavam à comunidade a morte de um determinado indivíduo. O aparato do desfile seria proporcional ao estatuto social, político e económico do falecido e sua família. Nos funerais da nobreza, o cortejo funerário dirigia-se ao Fórum, centro da vida pública da cidade romana, onde se fazia o discurso fúnebre, a laudatio.

No mundo romano a necrópole era construída fora dos muros da cidade, muitas vezes ao longo das estradas principais. O defunto poderia ser depositado diretamente na sepultura, ritual de inumação; ou ser queimado numa pira - ritual de incineração. Neste caso, as cinzas seriam recolhidas numa urna, que por sua vez seria depositada na sepultura, ou monumento. Nalguns casos, as famílias mais importantes possuíam os seus mausoléus, símbolos do seu status e influência. Era usual o morto levar consigo alguns objetos de uso pessoal e alimentos, pois acreditava-se que o defunto continuaria a viver naquele local. O funeral na Roma Antiga terminava com um banquete realizado perto da sepultura, iniciando-se para a família, após esse ritual, um luto severo de nove dias.

Os rituais funerários eram um acontecimento dispendioso. Os custos seriam consideráveis: a contratação dos profissionais da morte, a compra do ataúde, da madeira para a pira no caso da incineração do corpo, os incensos, as flores e os ramos de ciprestes, as roupas para vestir o morto, a elaboração da máscara funerária, a aquisição do lote de terreno para a sepultura…todos esses elementos eram pouco acessíveis para a maior parte das pessoas.

Além dos rituais associados ao funeral propriamente dito, existiam dias específicos ao longo do ano destinados a homenagear os mortos. Uma das festas mais importantes na época era a Parentalia, festival que decorria entre os dias 13 e 21 de fevereiro, período onde as famílias visitavam os túmulos dos seus familiares e ali realizavam oferendas. No dia 21 de fevereiro (Feralia) o festival assumia um carácter público, uma vez que neste dia todas as famílias levavam aos túmulos oferendas compostas por sal e pão embebido em vinho. Eram também oferecidas flores, especialmente violetas. Após o culto aos mortos no dia 22 de fevereiro, os romanos celebravam a Caristia, ou seja, uma reunião familiar, banquete que deveria promover a reconciliação entre familiares.

Em Loures conhecemos alguns vestígios destes locais funerários: sepulturas de inumação (Almoínhas e Unhos) de incineração (Almoínhas), destacando-se o mausoléu da Romeira de Baixo, em Bucelas.

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