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Cristina Fialho – Chefe de redação
Cristina Fialho
Chefe de redação

Editorial

Todos os Clichés

8 de outubro de 2023
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Há dois anos escrevi um texto aqui com uma mensagem “para o meu futuro filho” com uma data de conselhos para a vida. Coisas que trago comigo e que acredito que me fazem ser mais capaz, melhor pessoa e sobretudo, que me ajudam a praticar o “amor ao próximo”.
Hoje trago o meu filho na barriga e a cada movimento que sinto cá dentro penso em todos os clichés com que me cruzei acerca da maternidade.
Estou a vivê-los todinhos.
Que tenha os olhos do pai, a boca da mãe, o sentido de humor da avó materna, a pinta da avó paterna, o sorriso de todos os bebés Nestlé, que coma bem como na caixa da Cerelác, que seja saudável, gordinho, que durma descansado e que não faça birras grandes, só pequeninas para fortalecer a personalidade. Que seja obediente, que eu saiba educar, que respeite as rotinas e que seja feliz.
Sim, quero tudo.
Normalmente a lista de “quereres” é interrompida com alguém a dizer “que venha com saúde”, claro que sim, mas já que é para idealizar que venha com tudo.
Sejamos realistas, para mim vai ser o mais engraçado, vai ter os olhos mais expressivos, a boca mais perfeita e o narizinho mais lindo. Mas isso não significa que deixe de o manifestar a cada pontapé.
Este bebé foi pedido em todas as estrelas cadentes que vi.
É, ao mesmo tempo, assustador pensar que nunca mais vou ser a pessoa que sou hoje. Há uma espécie de luto que se vive em honra da versão de mim que vai nascer com este bebé. Vou ser capaz? Vou ser a pessoa que idealizo para mãe do meu filho? Vou ser paciente, criativa, disponível e serena? Vou acusar a privação de sono e ser irritadiça, desleixada e esquecida?
Há uma ideia generalizada de “estado de graça” que é facilmente atribuída às grávidas.Perguntam se já tem nome, de quanto tempo estamos, se é rapaz ou rapariga. Depois há aqueles comentários inconvenientes sobre os riscos que há (como se eu não tivesse perdido o sono a pensar neles), a desagradável referência à minha idade para ter filhos, que parece que quando se passa dos 35 as mulheres têm prazo de validade, ou assim…
A “graça” deste “estado” é ouvir o coração do bebé na ecografia. É sentir o bebé agitado quando como chocolate, é comover-me com canções de embalar e sim, sentir os clichés todinhos de uma vez, abruptamente, intensamente e da forma mais lamechas que conseguimos criticar quando vemos as outras grávidas a falarem em nome dos filhos ou apelidaram-se de “mamãs” antes de parir.
É assim tão ridículo, é.
Não ouço música para o bebé, não tenho um plano de parto (aliás tenho, que seja rápido e não doloroso), os apetites que tenho são de gelatina de morango e fruta e nunca tive um único enjoo.
Mas imagino-lhe o cabelo, o feitio, o tamanho, quero toda uma lista de características que me agradam e se sair tudo diferente da imagem que fantasio… que venha com saúde.

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