Fora do Carreiro
Trilema urbano transborda para 2020
6 de janeiro de 2020
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A sociedade urbana portuguesa enfrenta neste momento o que me permito considerar um trilema urbano. Uma espécie de Trilema de Münchhausen, onde se apresenta um impasse diante de três alternativas, nenhuma das quais é considerada suficiente boa.
São partes deste trilema:
1. A existência de vegetação espontânea nos passeios e junto aos edifícios de habitação que aborrece muito a classe média, que reclama dizendo que tem “as ruas sujas” e exige o miraculoso desaparecimento da coisa, como se tal ocorresse por impulso contra-natura ou determinação divina;
2. A aplicação de herbicidas para controlo das infestantes o que incomoda muitíssimo uma certa classe média que quer ver as infestantes desaparecer, mas com uma magna preocupação relativamente à possibilidade de os químicos envolvidos nos produtos possam prejudicar a saúde dos canídeos lá de casa;
3. O corte da vegetação espontânea por meios mecânicos, alternativa aos herbicidas ou ao normal ciclo de vida da vegetação, que a irritadiça classe média verbera, porque é um trabalho ruidoso e incomodativo porque tende a sujar as viaturas olimpicamente paradas à porta de casa ou confortavelmente instaladas em cima do passeio mais próximo possível. Brada-se com frequência que “as pessoas têm direito a dormir”, faça-se tal trabalho a que horas se fizer. Há sempre um pujante contribuinte que pagando os seus impostos, ganha o direito a não ser incomodado naquela precisa hora em que dorme, mas também o direito de mandar ir-se incomodar o sono do vizinho que infeliz dorme a outra hora;
E é nisto que estamos de há uns anos a esta parte, na Primavera, no Verão, no Outono e no Inverno.
Um verdadeiro trilema em que nenhuma solução é boa e todos aproveitam para proclamar alto e bom som nas redes sociais a sua desaprovação de todas e cada uma das opções possíveis, que não se conhecem outras, caso contrário, teríamos um quadrilema e etc. por aí afora.
Para as autarquias, normalmente as entidades responsáveis por tratar operativamente estes assuntos, sobra o problema. Que fazer ?
• Atender os vegans e deixar as herbáceas em paz ?
• Sucumbir às exigências dos cinopáticos e não atacar quimicamente a flora urbana, não vá o cãozinho de apartamento lá de casa sentir-se incomodado ?
• Perfilhar a tese dos descanso-contribuintes e só pôr as máquinas a trabalhar quando não houver rigorosamente ninguém a dormir no mundo ?
Estamos tentados em acreditar que o trilema urbano vai transbordar para 2020 e anos seguintes. Em qualquer caso, não havendo bom-senso, civismo ou pelo menos inteligência funcional, que sejamos todos felizes no próximo ano.