Fora do Carreiro
Cicloviés?
2 de fevereiro de 2020
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Sem um debate estruturado, formal e a fazer jus à democracia participativa prevista na Constituição da República Portuguesa, vai fazendo caminho uma suposta mudança de paradigma a problemática da mobilidade.
É hoje evidente para a sociedade (talvez não para as elites económicas e comprometidas com a exploração dos recursos naturais e sectores populacionais menos informados e a quem falta a base mínima de conhecimento para boa percepção do problema) que é preciso estancar o consumo de combustíveis fósseis e mudar o modo como as grandes massas de pessoas nos centros urbanos se deslocam.
As chamadas “mobilidades suaves”, designadamente, a bicicleta, vêm ganhando adeptos nos últimos anos, especialmente, nos municípios em torno de Lisboa, embora, na Capital o fenómeno mais “explosivo” tenha sido o das trotinetes. Contudo, a utilização da bicicleta, aparentemente, tem ainda pouca expressão nas deslocações pendulares casa-trabalho (ou escola)-casa, o que pode compreender-se pelas distâncias consideráveis a percorrer, na maioria dos casos.
Por outro lado, tudo indica ser a utilização recreativa, sobretudo ao fim de semana, que mais concita o uso crescente da bicicleta como meio de mobilidade, mas também de promoção do exercício físico e da saúde. Atentas ao interesse das pessoas, mas também investindo e projectando a mudança do paradigma da mobilidade, as autarquias têm orientado, ano após ano, fatias crescentes dos seus orçamentos para a construção e delimitação das denominadas “ciclovias”.
Mas, surpreendentemente (ou não), ouvem-se frequentes contestações a tais investimentos, mas também se verifica com muitíssima frequência que os “ciclistas” e/ou “cicloturistas” ou simplesmente os “utilizadores de bicicleta”, preferem circular na via e ignoram as vias próprias que lhes vêm sendo destinadas. Temos, portanto, um problema que precisa ser olhado com maior atenção.
Porque acontece isto é algo que requer alguma reflexão. Será que as vias cicláveis são “desenhadas”, meramente a partir de gabinetes de projecto, sem audição e a devida atenção às necessidades e perspectivas práticas dos utilizadores da bicicleta? Será que as substanciais diferenças de metodologias de abordagem e modos de implementação, tão diferentes de município para município (e por vezes até mesmo dentro do mesmo município) são razão para a baixa atracção para o seu uso pleno?
Será que o facto de se instalarem vias dedicadas aos meios de deslocação suave que vulgarmente têm no percurso obstáculos, desde contentores para os resíduos sólidos urbanos, viaturas mal estacionadas que invadem as ciclovias, até postes de electricidade e comunicações “plantados” no percurso (ver por exemplo via ciclável construída ao longo da Estrada Nacional 10 desde a Póvoa de Santa Iria em direcção a Vila franca de Xira), serão razão para repelir os potenciais utentes ?
Há que pensar a problemática de forma consistente, sob pena de ao contrário de dispormos de ciclovias, tenhamos inconvenientes “cicloviés”.