Fora do Carreiro
Três lustros passados
24 de maio de 2017
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Numa época em que eminentes caudilhos da nossa política, escrevem livros a justificar-se e a desculpar-se por tudo o que fizeram e de tudo o que deixaram por fazer, garantindo, contudo, que foram magníficos, ocorreu-me que era o momento para, imodestamente, aproveitar a onda e fazer um balancete. Não é, porque não poderia nunca ser, uma reluzente e encorpada produção, mas é absolutamente certo que foi coisa ponderada e escrita por punho próprio e não encomendada a outrém.
Ora, passados três lustros, desde que se deixaram funções públicas, por aqui se deve reconhecer, com o distanciamento suficiente, que a fugaz passagem por funções públicas locais, foi um mero singleto, proporcionado por quem forçou a assunção de tais responsabilidades, antes de mais, mas também, por quem as aceitou interpretar, sabendo-se, como se sabia, não haver vocação nem propensão à altura.
Foi, portanto, um tempo de privação para todos, apenas mitigada, pelos proficientes erros de casting que se lhe seguiram. Quando são vários os protagonistas a revelar pouca aptidão e talento, sempre se fica menos só e pode mesmo aspirar-se a ser “normalizado”. Eis o “intervalo da chuva” por onde se passou, relativamente incólume.
Com efeito, não devia ter sido possível aceder-se à actividade política com responsabilidades públicas, sem a lucidez suficiente para reconhecer a distância “certa” entre príncipios e pragmáticas. Sem entender que a esfera pública não é apenas campo de serviço à comunidade, é também espaço de outras pulsões. Sem reconhecer o papel dos interesses confluentes, dos suportes permutados, da influência da grupagem.
Três lustros passados, não é tempo de qualquer derradeiro balanço, menos ainda de improvável testamentice mas, por ventura, o intervalo conveniente entre um tempo e outro que virá. Reconforta perceber-se a ausência de sinais pessoais de adiaforia.
Desfabular foi ganho precioso destes anos. Reforçou a harmonia entre o pensar e o agir - sólido fundamento da tranquilidade de consciência, como bem dizia destacado e honorável político de dimensão mundial.
Provavelmente, seria desejável não introduzir perturbações desnecessárias ao cósmico fluir dos acontecimentos, ao pulsar entusiasmante das vocações, à progressão aclamada das dedicações, contudo, é conhecido que a prática de ouvir as opiniões discordantes manifestadas no exercício do direito de criticar e de propor é um elemento necessário à reflexão de quem dirige. Assim as decisões convencem e ganham prestígio e autoridade.
Concluo o balancete, com uma expressão feliz de José Saramago: nem as derrotas nem as vitórias são definitivas. Isso dá uma esperança aos derrotados e deveria dar uma lição de humildade aos vitoriosos.
E três lustros passados, cá estamos, desafiando as probabilidades.