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Rui Pinheiro – Sociólogo
Rui Pinheiro
Sociólogo

Fora do Carreiro

Labirintos telefónicos

4 de agosto de 2020
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Tempos especiais, trazem-nos inevitavelmente novos conhecimentos e contactos com partes da nossa realidade com as quais não estávamos familiarizados.

Por razões atendíveis, foram estimuladas opções e mecanismos de tratar assuntos à distância, recorrendo a meios digitais e de comunicação não presencial.

Houve casos dos quais se tomou conhecimento de uma gritante e inexplicável contradição em que o serviço A só atendia via telefone e e-mail e o serviço B da mesma instituição só atendia e recebia documentos presencialmente. Se não se podia estar presencialmente – e não podia – durante semanas e semanas não receberam documentos nenhuns e, portanto, não tiveram processo nenhum novo para tratar. Resta saber se foram tratados aqueles que entraram no período anterior ao estado de calamidade. Se calhar, lamentavelmente, nem novos, nem antigos.

Áparte estes casos, que me permito considerar especiais, porque acredito que não se terão multiplicado por aí, há uma outra espécie de moderno enfernizador da vida dos cidadãos, dos utentes e dos consumidores que desempenham um papel muito relevante na nossa vida, especialmente quando atravessamos estes tempos pandémicos em que as autoridades sanitárias mantêm fortes recomendações de distanciamento social.

Não me contaram. Fui eu próprio que experienciei. Tratam-se de tentativas de contacto com uma entidade pública e com uma empresa privada. Refira-se que não era nosso propósito fazer qualquer teste ao funcionamento dos seus sistemas de atendimento, nem proceder a qualquer comparação. O objectivo era apenas resolver as questões que se precisavam ver resolvidas da nossa vida pessoal.

A porta de entrada para este inolvidável pedaço de contacto com uma alegada modernidade, foi o número telefónico divulgado como aquele que se deveria contactar. A partir daí, tiveram a capacidade de nos proporcionar toda uma experiência alucinante com o seu labirinto telefónico: “Se quiser tratar de tal, marque 1, se quiser tratar de tal-e-tal, marque 2” e nós marcamos uma opção que aparenta ser a certa e vamos ao encontro da nossa voz artificial que sem dó nem piedade nos informa: “para A, marque 1; para B, marque 2, para C, marque 3” e assim sucessivamente. Depois de ultrapassadas várias charadas numéricas, com uns tantos avisos sanitários sobre a pandemia ou a venda de banha da cobra, pelo meio, conforme o caso e decorridos uns cerca de 10 minutos, a nossa já conhecida e, por isso, quase simpática, voz artificial, dispara-nos no fim da linha uma pérola deste tipo “informamos que o atendimento está muito demorado, volte a tentar mais tarde”.

Esta coisa infernal e insultuosa, consegue consumir-nos um dia inteiro, sem que o atendimento nunca esteja “pouco demorado” e nos seja dada uma “aberta” para finalmente falar com alguém. O governo diz querer apostar na transição digital (e com ele, uma série de propalados especialistas <não se sabe bem do quê> também o papagueiam) e até podemos concordar, desde que o governo concorde connosco que transição digital não pode ser a aberração que é o atendimento telefónico que é permitido instituir. A ASAE devia fiscalizar, multar e obrigar a acabar com estes disparatados labirintos telefónicos. Servir as pessoas não é nada disto e se não serve para servir as pessoas, não serve para nada !

Este colunista escreve em concordância com o antigo acordo ortográfico.

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