Opinião de João Pedro Domingues
O confinamento do 25 de abril
3 de maio de 2020
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Quarenta e seis anos passados sobre o 25 de abril de 1974. Após quarenta e seis celebrações concretizadas, somos hoje, mais do que nunca, chamados a convocar a memória de abril e daqueles que a protagonizaram, em momento particularmente difícil. E devemos fazê-lo também como inspiração à condição dos eleitos locais.
As questões centrais que sempre nos ocorrem nas celebrações de abril são: Que memória terão as gerações futuras deste dia tão importante para Portugal? Que testemunho seremos capazes de deixar aos que nos seguirão, neste momento único da construção de uma memória coletiva que é Portugal? Não poderemos nunca deixar de pensar que abril será sempre tudo aquilo que quisermos fazer dele. Será uma memória se insistirmos fazer destas celebrações apenas um momento em que trazemos até ao presente a história de uma madrugada feliz.
Mas será uma inspiração se quisermos fazer de abril o exemplo que nos orienta nos nossos desafios, principalmente quando atravessamos momentos tão difíceis enquanto coletivo. Mais do que discursos, este é o momento para desafios e ações. As comemorações deste ano não poderão passar ao lado dos momentos que vivemos.
A crise económica que adivinhamos, vai condicionar consideravelmente o nosso futuro, e este deve ser entendido como um momento em que somos chamados a fazer de abril um exemplo do que queremos para amanhã. E neste período da pandemia, as autarquias locais e, por conseguinte, os eleitos locais, uns mais que outros, devem estar conscientes do que se lhes pede.
Conquista central da revolução, o poder autárquico tem hoje mais um momento em que poderá e deverá afirmar-se pela positiva, pelo exemplo, pela marca que deixa na melhoria das condições de vida das populações.
Hoje, as autarquias são um espaço fundamental para a concretização dos desafios de abril. Esta conquista de abril, consubstanciada no poder local democrático, é mais do que nunca atual e hoje, todas elas são convocadas a contribuir para ultrapassar esta crise sanitária que assola toda o planeta. As autarquias são hoje uma peça importante no encontrar soluções nos domínios da saúde e na prestação dos cuidados aos mais expostos socialmente, como os idosos. Mais do que nunca, deixaram de ser um mero patamar de poder, para passarem a ser uma parte de todas as soluções.
Em momentos de austeridade como os que se perspetivam, decide melhor quem decide pelas pessoas, quem consegue estabelecer as suas prioridades em função daquilo que as pessoas precisam. Nestes momentos de grandes dificuldades, somos convidados a deixar de lado as nossas divergências.
Aos eleitos locais pede-se que, para além das ideologias, pensem nas pessoas, essencialmente nas pessoas. Só desta forma poderemos honrar a memória dos que numa noite de abril não hesitaram e ousaram construir. Não podemos deixar de comemorar abril.
Não o podemos nem deveremos fazê-lo da forma habitual. Não será possível descer a Avenida da Liberdade ou concentrarmo-nos algures numa celebração coletiva. Devemos comemorar abril protegendo-nos a nós e aos outros. Mas devemos comemorar abril, mesmo que sós confinados na nossa casa, sendo consequentes com os ideais que então, como hoje, nos devem orientar.
Celebrar abril passa por fazer tudo o que está ao nosso alcance para o defender. Às dificuldades de hoje, responderemos com a força de há 46 anos atrás. O 25 de abril é por certo uma memória que gostamos de celebrar todos os anos, mas cada vez mais não nos deveremos esquecer das suas conquistas.
Estou certo de que nas celebrações dos próximos 25 de abril, nos lembraremos deste ano, e que o lembraremos como o que de facto nos uniu para aquilo que é verdadeiramente essencial. Essencial para continuar a construir Portugal em liberdade, em democracia com vista ao progresso que todos ambicionamos.
Se não hesitarmos em colocar as pessoas em primeiro lugar, estou convicto que responderemos melhor às suas reais necessidades. Se não hesitarmos em construir o futuro, estou convicto que a imagem de abril que deixaremos aos que nos seguirão, não será apenas mais uma efeméride no calendário, um simples feriado nacional, mas sim um momento que uniu o passado de ousadia a um futuro mais risonho.
Viva abril.
João Pedro Domingues
Professor