P'la caneta afora
ONDE ESTÃO AS PALAVRAS?
3 de maio de 2020
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Procuro-as e não as encontro. Tento escrever hoje, 25 de Abril, e não tenho palavras para vos escrever. Eu sei que não desapareceram definitivamente, mas devem estar escondidas. Isolaram-se de mim, visto eu estar isolado também.
É difícil, senão mesmo impossível, escrever alguma coisa podendo apenas recorrer a quatro letras e dois números; como se escreve um texto com um C e um O e um V e um I e um D e mais hífen (até dá para perguntar para que serve um hífen com tão poucas letras para ordenar, não é?) e mais um 1 e mais um 9. Por outro lado o que seriam os sentimentos sem palavras para os explicitarem ou o que seriam as palavras se não guardassem no seu íntimo os mais preciosos sentimentos? Hoje passamos os dias a vermo-nos ao espelho 24 horas por dia.
Olhamo-nos de frente! Com tempo; com calma; com a serenidade possível. Todos os dias muitos de nós morrem! Hoje passámos a não ter tempo para guerras. Para guerras de qualquer espécie. Os mísseis deixaram de ter tempo. As metralhadoras já praticamente não se ouvem e os tanques de guerra já não avançam com o peso do combustível a pesar-lhes nas lagartas. Todos os dias muitos de nós morrem! Hoje o papel moeda deixou de ter a importância máxima. Todos os dias muitos de nós morrem!
Hoje o petróleo já não tem importância nenhuma. As refinarias entupiram. Todos os dias muitos de nós morrem! Hoje a importância está única exclusivamente na nossa sobrevivência enquanto seres humanos. Todos os dias muitos de nós morrem! A raça humana, de um dia para o outro, num abrir e fechar de olhos, teve que se tornar cuidadora de si própria. Todos os dias morrem irmãos, pais, mães, avós, amigos. Esperámos sempre pelas férias, pelos feriados, pelos fins de semana.
Hoje temos saudades de ir trabalhar. Nunca quisemos tanto ir trabalhar e entrar nas filas de trânsito. Mas nem assim os trumps e os bolsonaros deixaram de vomitar aleivosias diariamente. Todos os dias muitos de nós morrem! E ainda há quem açambarque papel higiénico! Todos os dias muitos de nós morrem! E ainda há quem açambarque papel higiénico! Todos os dias muitos de nós morrem!