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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Os jardins do Palácio dos Arcebispos

3 de julho de 2022
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Voltamos nesta crónica a (re)visitar os jardins do Palácio dos Arcebispos que fazem parte do conjunto arquitetónico barroco de Santo Antão do Tojal. Sobre este lugar já escrevi algumas crónicas, desta vez irei desenvolver um pouco mais sobre os jardins que o 1º Patriarca de Lisboa, D. Tomás de Almeida mandou edificar, juntamente com a reformulação do palácio, pois palácio e jardins faziam parte do mesmo conceito de casa nobre do século XVIII.
Sendo D. Tomás de Almeida um dos grandes nobres na corte de D. João V, não é de estranhar que tenha seguido o exemplo da política joanina marcada pelo desenvolvimento artístico que o rei visou fomentar, atitude facilitada não só pela sua visão de criar em Portugal uma corte digna de qualquer reino europeu, mas também pelas riquezas provenientes do Brasil, nomeadamente o ouro e os diamantes, riquezas essas essenciais para reunir na corte os melhores das artes desse tempo. Assim, vieram para o reino muitos artistas, arquitetos, músicos, pintores…. Ora, o 1ª Patriarca, figura nobre e um grande senhor da Igreja, também mimetizou de certo modo o rei, tendo desempenhado um papel importante no patrocínio das artes através da sua ação mecenática em vários domínios.
As obras de engrandecimento que D. Tomás de Almeida fomentou no palácio de Santo Antão do Tojal e nos seus jardins insiram-se numa tendência da época, onde proliferaram quintas de recreio nas proximidades da cidade de Lisboa e da corte. As modificações encomendadas ao arquiteto António Canevari foram fruto da sua erudição e gosto. Conjugando arte e natureza, o patriarca reedifica uma residência nobre com espaços verdes cuidadosamente pensados e elaborados, não só dignos da sua pessoa, mas também dos distintos convidados que recebia, incluindo a família real. Importa salientar que o palácio e os jardins formavam um todo, jardins de aparato marcados pela formalidade dos canteiros, pela presença da água em tanques, lagos e fontes e também pela presença de várias esculturas. Os jardins jogavam um papel importante ao nível da representação do seu proprietário e simultaneamente eram um espaço de deleite.
Com efeito, o jardim barroco herda os princípios estéticos do renascimento, sendo um prolongamento da casa como já mencionei acima, sendo marcado pela regularidade e geometria da composição, onde o espaço é regulado por eixos perspéticos, onde a escultura representa um papel relevante na medida em que acentua a simetria. Por sua vez, a escultura desempenha também outra função, ou seja, a iconografia própria de cada jardim atesta a cultura e o poder do seu encomendante. A estatuária é assim disposta em pontos específicos, contribuindo para a organização do espaço, concorrendo para a beleza e harmonia do jardim e normalmente colocada em pontos de fuga.
Algumas fontes documentais permitem evocar como terão sido os jardins do palácio em questão no tempo de D. Tomás de Almeida. O que atualmente persiste é apenas uma parte, uma vez que ao longo do tempo alguns elementos foram destruídos ou removidos e a área de jardim utilizada para fins agrícolas, ou outras funcionalidades. Além dos principais eixos que orientam ainda os antigos espaços ajardinados, subsiste parte do sistema hidráulico que alimentava os vários canteiros. Podemos ainda observar os dois pombais colocados estrategicamente no final das duas principais alamedas, bem como alguns bancos com espaldar com painéis de azulejos e dois tanques, um deles ainda em bom estado de conservação, em que as paredes exteriores conservam os usuais festões que em muito o embelezam.
Nos jardins barrocos a presença de revestimentos azulejar é uma constante, nos painéis dos bancos, muros, fontes ou tanques permitindo acrescentar cor e brilho ao jardim, mesmo nas alturas do ano em que as espécies vegetais não florescem. Evidentemente que os temas representados são também convite à reflexão e deleite dos seus frequentadores. Nestes jardins do palácio do Arcebispos estão presentes as várias tendências azulejares de época da sua criação. Um dos motivos mais frequentes são as albarradas, presentes por exemplo na alameda que atravessa a propriedade de norte a sul, intercaladas com motivos de balaústre. Na mesma alameda, os muretes incluem bancos que apresentam os espaldares decorados com festões florais em azulejaria, tema que está igualmente presente no revestimento exterior de um dos tanques.
Relativamente aos azulejos figurativos destaco o espaldar de um largo banco, junto ao pombal sul, representando Santo António segurando o Menino envolvido num arvoredo. Outro painel de azulejos, no final da alameda principal, evoca a Primavera, infelizmente a necessitar de restauro. Junto ao pombal norte e partindo da simetria característica deste tipo de jardins, podemos supor a existência de um outro banco com um grande espaldar igualmente figurativo que não permaneceu até aos nossos dias. Também a decorar a entrada do palácio que dá acesso ao jardim podemos ver uma porta emoldurada por decoração azulejar acimada pela figura de Nossa Senhora da Conceição. Os dois pombais, elementos arquitetónicos muito interessantes, conservam medalhões suspensos por carantonhas grotescas, apresentando umas figuras de perfil clássico.
Na próxima crónica abordarei outros elementos destes jardins, como as espécies vegetais, muitas delas hoje inexistentes que evocarei partindo da documentação que chegou até nós.
(continua na próxima edição)

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