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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Dia Mundial do Vento e o Moinho da Apelação

6 de junho de 2022
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Numa época em que a sustentabilidade do planeta está em sério risco, problema que preocupa todos nós, darei destaque nesta crónica à celebração do 15 de junho como o Dia Mundial do Vento, efeméride assinalada pelo Conselho Mundial da Energia Eólica (Global Wind Energy Council - GWEC). Tal como todos os dias internacionais ou mundiais, este dia mundial tem como propósito chamar a atenção para a vantagem do uso deste tipo de energia, considerada limpa e renovável, numa época onde a reflexão sobre a gestão dos recursos disponíveis é muito urgente.
Ora, o uso do vento como fonte de energia – a energia eólica- é muita antiga e remonta a vários séculos na história da civilização humana. Sabemos que já no antigo Egipto se usava o barco à vela em navegação fluvial. Mas, nesta rúbrica, o nosso destaque vai para os moinhos de vento tradicionais, típicos da estremadura, que ainda nos inícios do século passado assinalavam a paisagem com as suas velas brancas rodopiando ao vento.
Este tipo de arquitetura vernacular ou popular está associada à tecnologia tradicional de moagem. Com a Revolução Industrial e a banalização de outras formas de produção de energia cinética mais eficientes (da qual é exemplo o motor elétrico), este tipo de tecnologia caiu em desuso, o que levou à ruina e consequente demolição de muitas estruturas deste tipo. Todavia, apesar da maior parte estar em franca ruina ou terem mesmo desaparecido, existem alguns exemplares que foram recuperados e conservados como atração turística e até mesmo transformados em residências pessoais. Outros, ainda, foram restaurados para servirem de memória funcionando como “museus”, como é o caso do nosso Moinho da Apelação.
O moinho de vento do tipo mediterrânico, grupo ao qual pertencem a maioria dos moinhos de vento portugueses, tomou uma forma particular, distinta da do norte da Europa. De menor dimensão, são, geralmente, compostos por uma estrutura cilíndrica construída em pedra, com cúpula cónica de madeira (denominada capelo) e um número variável de velas de pano cuja origem se pode associar ao velame das embarcações. Usam as hélices como elemento de catação e conversão da energia eólica para outro tipo de energia, força necessária para movimentar os mecanismos que permitem a moagem dos cereais.
Com efeito, considerando a história da humanidade, podemos afirmar que os sistemas de moagem são muito antigos e já existiam na Pré-História. Dos pequenos moinhos manuais usados para moer os grãos comestíveis, aos sistemas de tração animal, ao uso da roda movida com a força das águas (azenhas ou moinhos de água), o moinho movido a vento terá sido o último a surgir entre todos estes. Na europa, a difusão de moinhos de vento acontece durante a Idade Média, principalmente entre os séculos XII e XIII. No século XVII difundem-se no território português os chamados “moinhos de torre”, ou seja, moinhos com tronco em alvenaria de pedra e cobertura giratória, o significou um avanço significativo por oposição aos “moinhos de poste” - onde todo o corpo do moinho rodava sobre um poste central, dificultando o seu manuseamento.
Em muitos dos moinhos de vento do norte da Europa, as pás são orientadas para o vento por rotação de toda a torre, por oposição aos moinhos de vento de tipo mediterrânico onde apenas o capelo sofre este movimento permanecendo a restante estrutura fixa.
Foi esta diferença que surpreendeu alguns soldados do exército de Masséna quando chegaram perto de Lisboa em 1810, porque não conseguiam dar com o mecanismo que permitia rodar o moinho a favor do vento. Nessa altura, urgia conseguirem farinha proveniente dos parcos grãos que tinham conseguido recolher ao longo da sua progressão. O grupo de soldados, deparando com o único moinho intacto nas proximidades de Lisboa, receberam a ordem de rapidamente começarem com a tarefa da moagem, concretizando uma ordem do seu comandante. Eles, aflitos, não se entendiam com a estrutura do dito moinho, desconheciam que o que girava não era corpo todo da estrutura, mas apenas o seu topo, ou seja, o capelo. Foi precisamente Masséna que desmontando do seu cavalo exemplificou como se deveria proceder, tendo-se enrolado nas cordas, o que provocou a sua queda para grande espanto da soldadesca!
No concelho de Loures podemos visitar o Moinho da Apelação, estrutura que foi recuperada em 1998 e 2006, com o objetivo de difundir a importância histórica da moagem tradicional dos cereais no ciclo da produção do pão.

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