Mel de Cicuta
Sou filho d’abril
6 de maio de 2019
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Nasci a 11 de abril de 74.
À célebre pergunta de Baptista Bastos «Onde estavas no 25 de abril?» poderei dizer que já mamava.
Este ano tive uma oportunidade única, a 24 de abril, fui assistir a uma peça maravilhosa, em Santarém, que reconstituía de forma extraordinária a saída de Salgueiro Maia e dos seus homens da Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Centrada em duas personagens, irmãs, na peça e na vida real, a liberdade e a censura.
Confesso que me emocionei, até larguei uma lágrima, talvez duas. Não por ter sofrido ou ter sido preso e torturado antes do 25 de abril, como o meu sogro foi. Ou por ter sido detido no pós 25 de abril em pleno PREC como o meu pai foi. Eles são e foram dois homens de pouco medo. Não por perceber que sem liberdade estamos privados do bem mais precioso que as sociedades podem ter, nem tão pouco chorei por ter os meus filhos de pé a cantarem a Grândola. Não me comovi também por ser de esquerda ou de direita, o 25 de abril não tem dono, é de todos.
“Esta é a madrugada que eu esperava”, com texto da autoria do Coronel Joaquim Correia Bernardo, decorreu no Convento de S. Francisco e por ter esgotado teve de ter duas sessões.
Para além de homenagear os militares deste grupo que avançou para Lisboa, capitaneado por Salgueiro Maia, sem saber se vinham acompanhados para uma vitória, ou sozinhos para um calabouço, este espetáculo deu-me uma dimensão nova, a de poder partilhar as tais lágrimas com aqueles que lá estiveram, de corpo e alma, arriscando a sua vida por mim e para que os meus filhos pudessem ser Homens livres.
E confesso que quando o primeiro militar à minha frente e um segundo ao meu lado começaram a chorar não resisti… Não sei se teria a coragem deles, mas sei que lhes estou grato por nos devolverem o nosso país e por terem posto fim à guerra colonial. Não o fizeram partidarizados, não o fizeram por uma qualquer camisola política. Fizeram-no por todos nós.
Claramente não estávamos preparados para tomar conta disto. Fizemos coletivamente muitas escolhas erradas. Mas fizemos escolhas. E ainda as podemos fazer.
Porque numa sociedade livre e depois de um PREC muito complicado. Podemos continuar a fazer escolhas certas ou erradas. E é a esses homens que devemos isso.
No entretanto, vamos aprendendo que mesmo que não saibamos bem o que queremos, muitas vezes sabemos bem o que não queremos.
PS: Este artigo é estupidamente escrito com o novo acordo ortográfico.