Editorial
Falta de aconchego
4 de abril de 2022
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Talvez por ter sido muito acompanhada pela minha avó paterna nos meus primeiros anos, dê muito valor à sabedoria popular.
Sempre a conheci velhinha e grisalha, vestida de preto, ou de branco e preto pois a viuvez chegou cedo e “parecia mal” usar cores garridas.
Viveu connosco desde cedo, deixou o Alentejo isolado e veio cuidar dos netos, fazendo as vontadinhas todas que, segundo a minha mãe “às vezes deseducavam mais do que educavam”, com um provérbio a acompanhar como se tudo justificasse.
“Hoje não quero almoçar, só quero fruta”, respondia-me que tinha que comer mais fruta porque “não comer por ter comido não é doença de perigo”.
Na hora de ir para a cama lá vinha o “deitar cedo e cedo erguer…” que me irritava solenemente. Quando me contrariava era o “quem te avisa, teu amigo é” e agora, já adulta, tenho uma espécie de superstição estranha em que acho que são tudo verdades e que a terra é muito mais velha do que eu e que “de onde há fumo, há fogo”.
Recorro sempre a uma lista de provérbios para tomar uma decisão como se precisasse de colo que me apoie se fizer a escolha errada.
Sou uma manta de retalhos de frases feitas, provérbios, adágios e ditados todos cosidos entre si com linhas de boas intenções para guiar-me nas decisões e nesta chatice que é não ter a minha avó por perto para me “deseducar” e fazer as vontadinhas todas enquanto como fruta para o almoço.
Deve ser falta de aconchego.
Naquela altura tinha “vontadinhas” e a minha avó cortava-me a fruta em “barquinhos”.
Nos últimos anos tenho levado chapadões de mão aberta e continuo como se nada fosse.
Ah espera…