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Opinião de Joana Leitão

É oficial, somos donos

5 de fevereiro de 2019
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Desde 2014 que o legislador português passou a contemplar expressamente os animais nos seus códigos.

Influenciados por outros países e pelas ocorrências internas criminalizámos os maus tratos e o abandono e conferimos aos outros animais um estatuto jurídico que assume que “são seres vivos dotados de sensibilidade”. Sabemos desde sempre que o são, só nos permitimos esquecer por uns tempos, de forma a justificar tudo o que lhes fazemos.

Este estatuto jurídico significa agora que, também os animais, podem ser objeto de relações jurídicas. Não entre eles, não entre eles e outros seres vivos e nem entre eles e as coisas, mas entre eles e os seres humanos. As pessoas têm agora um efetivo direito de propriedade sobre os outros animais, ou seja, é oficial, somos donos.

Não esquecendo que a propriedade é o direito que temos sobre os objetos, ser dono permite dispor de um animal quase como dispomos de uma coisa, seja ela uma casa, um automóvel, uma cadeira ou um bloco de cimento, com a diferença de não termos que alimentar, prestar cuidados médicos, inibir-nos de maltratar ou dar atenção à coisa.

Na realidade, apregoamos aos sete ventos que os animais não são brinquedos, mas sujeitamo-los ao mesmo tipo de direito e ao mesmo tipo de poder que temos sobre objetos inanimados, o que parece pouco coerente. Na prática, não estamos a proteger os animais mas a alargar os direitos que temos, aqueles que nós próprios criámos, a nosso favor sobre tudo o que existe e tudo o que é vivo, de forma unilateral e, acima de tudo, esvaziada de sentido.

Nem sempre fomos assim. Outrora o sistema de crenças e valores humanos considerou os interesses dos outros seres, de animais e plantas, hoje mecanizados. Foi quando nos começamos a sentir divinos que os animais passaram a ser máquinas e que passamos a ignorar a sua dor. Conforme refere Yuval Noah Harari, historiador, investigador e professor de História do Mundo na Universidade Hebraica de Jerusalém, “tratar de criaturas vivas que possuem mundos emocionais complexos como se fossem máquinas provoca-lhes, provavelmente, não só desconforto físico como também um profundo stress social e frustração psicológica”.

A grande maioria, se não todos os animais, em particular os mamíferos, não perderam os seus instintos, não deixaram de precisar de estabelecer laços com as mães, cujo leite, presença e atenção são essenciais para a sobrevivência, nem perderam a sua capacidade de correr e brincar. A ciência comprovou-o. Nós sabemos disso. Então, como podemos sentir-nos donos de seres vivos e até quando continuaremos a ignorar o sofrimento que lhes causamos?

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