Das Notícias e do Direito
Covid e Contratos, o que fazer?
3 de maio de 2020
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Pandemia, estado de emergência, lay-off, teletrabalho, ensino à distância, novidades de 2020 devidas à Covid-19. Antecipa-se desemprego, recessão, crise, dificuldades e mudança, muitas mudanças.
De hábitos, comportamentos, de estar, de ser e viver. Porém, a «fila anda», ou seja, a vida não pára. O que fazer ao contrato promessa de compra e venda já outorgado e sinal pago?
Ou ao contrato de cessão de exploração comercial para um restaurante?
Ou ainda, ao contrato de empreitada para remodelar as cozinhas e casas-de-banho lá de casa?
Muitos portugueses terão de se confrontar com dificuldades inesperadas que alteram compromissos assumidos, responsabilidades, expectativas e todo um status quo quanto ao modo de vida de cada um. Como posso, dar início às obras contratadas, e começadas a pagar, se agora estamos todos em casa, a trabalhar, e as crianças já não vão voltar à escola?
E como posso honrar aquele contrato em que assumir a exploração de um restaurante e quando finalmente o puder abrir a lotação será para muito menos?
Ora, a situação atual, é uma situação de emergência global, tendo a OMS declarado a pandemia e que vai muito além das questões de saúde pública, constituindo, sem dúvida, o desafio do século XXI para a sobrevivência e retoma económicas.
Para além dos normais mecanismos da oferta e da procura, debatemo-nos com as legais imposições de encerramento de estabelecimentos comerciais, de serviços públicos e privados, escolas e universidades, e com as cautelas extremas que se terão de adotar para a reabertura. Como manter então os contratos e as obrigações assumidas num contexto totalmente distinto?
O nosso Código Civil responde com o instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no artigo 437º. Assim, ocorrendo alterações de tal modo anormais, imprevisíveis, não cobertas pelo risco «normal» do negócio, deixa de ser exigível a intocabilidade dos contratos e a obrigação de os cumprir nos seus estritos termos.
O que permite que a parte lesada, lesada pela obrigação de cumprir, tenha o direito de vir a poder resolver o contrato ou vê-lo modificado de acordo com as regras da equidade. O instituto da alteração das circunstâncias é aplicável, de maneira a que os prejuízos decorrentes desta circunstância excecional possam ser repartidos equitativamente pelas partes. Todavia, nada disto é automático e não «vale» incumprir sem mais!
O artigo 437º do Código Civil possibilita à parte lesada solicitar, à outra parte, a modificação do contrato, o que pode passar por uma moratória, quer perante os pagamentos a efetuar, quer por uma redução do preço, ou redução do próprio negócio. A formulação do Legislador corresponde à predominância de uma solução de repartição dos prejuízos, modificação com recurso a juízo de equidade, em vez do tudo ou nada da resolução.
Sendo que, impõe à parte não lesada, um dever de renegociar o contrato, quando lhe confere o direito de rejeitar a resolução, impondo a modificação. Assim, uma vez verificado o impacto no contrato, devem ser iniciadas, com a maior brevidade, negociações em face da alteração anormal das circunstâncias.
Aqui, como em tudo, a boa-fé e o estrito cumprimento dos deveres acessórios de conduta, lealdade, informação, etc, não estão afastados pela pandemia, pelo que a sua observação neste processo negocial é dever de ambas as partes.
Não se alcançando o acordo para a modificação do contrato, pode ocorrer a resolução. Porém, sempre terá a resolução, que não ocorre por acordo, de ser muitíssimo bem fundamentada e ter suporte legal, pois chegados a Tribunal o ónus da prova assim o impõe.
A fim de evitar plúrimas litigâncias futuras há que medir, ponderar e sopesar. Respirar fundo, obter aconselhamento jurídico, decidir e avançar. Indubitável é que uma pandemia e estado de emergência, já renovado duas vezes, é uma alteração anormalíssima de todas as circunstâncias vividas e conhecidas.
Agora há que analisar casuisticamente cada situação, suportá-la factualmente e fundamentar legalmente, para obter um resultado menos mau ou vagamente satisfatório, ao invés de se deixar levar por um novo cataclismo. Saúde e prudência, é conselho e desejo que persiste e que vos deixamos.
Alexandra Bordaalo Gonçalves
Advogada
Rui Rego
Advogado