Fora do Carreiro
Podemos ficar na mão dos tolos?
7 de maio de 2019
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Cultura é – a par do conceito de sociedade – uma das concepções mais amplamente discutidas e debatidas na sociologia. Giddens assinala que “Nenhuma cultura pode existir sem uma sociedade. Mas, igualmente, nenhuma sociedade existe sem cultura. Sem cultura, não seríamos de modo algum “humanos”, no sentido em que normalmente usamos este termo. Não teríamos uma língua em que nos expressássemos, nem o sentido da autoconsciência, e a nossa capacidade de pensar ou raciocinar seria severamente limitada”.
Destaco este apontamento apenas do vasto debate que sempre pode fazer-se e que deve continuar, porque configura uma expressiva síntese do que no essencial está em causa, ou seja, se é a cultura ou não o que nos distingue dos restantes animais da biodiversidade terrestre.
Torna-se, portanto, de difícil compreensão a sanha com indivíduos e alguns grupos organizados que se manifestam contra as actividades culturais, questionando a sua realização, menosprezando os seus intérpretes e os seus públicos, desvalorizando a sua importância para a vida colectiva, pretendendo que todo o dinheiro investido em cultura é um desperdício.
Podem esses indivíduos e esses grupos desejar o desmembramento social e reconduzir o ”homem” a um nível de desenvolvimento intelectual “animalesco”? A resposta por (bom) instinto é, evidentemente, negar por completo tal possibilidade. Contudo, a resposta, infelizmente, não pode ser dada com essa simplicidade. Não nos adianta ser ingénuos. É claro que há grupos, poderes e suas organizações que por razões ideológicas aspiram e conspiram, a cada dia, não para que regressemos a uma mera condição “animal” (não seria da melhor conveniência para os seus objectivos) mas para que, como diz Giddens, a nossa capacidade de pensar ou raciocinar seja severamente limitada.
De resto recorde-se a propósito para o que alertava George Orwell (pseudónimo de Eric Arthur Blair): “Viveremos uma era em que a liberdade de pensamento será de início um pecado mortal e mais tarde uma abstração sem sentido.” No mundo ficcional criado por Orwell, no seu livro “1984”, já não existem leis, impera uma única ordem categórica e absoluta: todos devem obedecer. Tudo indica, por outro lado, que toda a manipulação da educação formal e informal, da comunicação, dos órgãos de informação e da chamada cultura de massas, tem dado resultado.
Só assim se pode entender que surjam também indivíduos, atomizados, isolados, mas predispostos a juntarem-se numa espécie de coro das velhas – embora cada um lutando com as suas limitações de conhecimento, de expressão, da língua pátria – para contestar tudo o que seja acção cultural com os mais diversos argumentos, desde os “custos”, até à sua alegada “inutilidade”, desde o “desinteresse das pessoas” pelas manifestações culturais, até à sua suposta motivação “propagandística”.
Corremos o risco de ficar entregues às mãos dos tolos ?