Paisagens e Patrimónios
Uma face vinda do passado
6 de fevereiro de 2017
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No Museu Municipal de Loures da Quinta do Conventinho podemos visitar atualmente duas exposições: Loures no esforço da Grande Guerra e Narrativas de um Território, as quais recomendo vivamente. Se a primeira nos remete para os inícios do séc. XX e para o grande conflito que abalou o mundo, a segunda procura abarcar aspetos do território local e das suas comunidades, numa cronologia ampla desde o paleolítico até à contemporaneidade.
Será sobre esta última que sugerirei um olhar mais atento, com especial enfoque para um vídeo ali incluído que nos apresenta uma “aproximação facial” (quer dizer, uma tentativa hipotética de reconstituição) do rosto de Luís de Castro do Rio, fundador do Convento do Espírito Santo e onde hoje está precisamente instalado o museu. Não se conhecendo qualquer representação pictórica desta personagem e partindo da informação antropológica recolhida na intervenção arqueológica das criptas da capela da Quinta do Conventinho, foi possível executar uma escultura virtual, baseada em imagens tridimensionais do crânio daquele fundador. A compilação dos dados arqueológicos e documentais possibilitou aos investigadores desenvolver um modelo virtual que nos aproxima da fisionomia que este rico mercador terá tido no final da sua vida. Mas, quem foi Luís de Castro do Rio?
Como já disse, foi fundador e padroeiro do Convento do Espírito Santo, construído em 1574, no lugar da Mealhada. Irmão de Diogo de Castro, mais velho que ele, pertenceu a uma família de mercadores muito abastados, conhecidos como cristãos-novos, o que não impediu a sua ascendência à nobreza. Aliás, a nobilitação era uma estratégia comum no séc. XVI para os mercadores ricos de origem judaica. Tanto Diogo como Luís de Castro eram filhos de António (ou Antão) Vaz de Castro e de D. Brites (ou Beatriz) de Castro, família que possuía importantes negócios em várias regiões, como o comércio de escravos em Cabo Verde, ou o da pimenta.
Os irmãos Diogo e Luís ambicionavam ascender à nobreza, situação que lhes permitiria reforçar não só a sua posição social, como a dos seus descendentes. Acabaram por conseguir esse propósito quando o rei D. Sebastião concedeu, em 1561, a Carta de Brazão d’Armas a Diogo de Castro e lhe deu por solar a quinta do Rio junto ao Trancão, em Sacavém, ficando desde então com a obrigação de usar o apelido de Rio. Importa salientar que aquela carta se destinava aos dois irmãos, embora se centrasse em Diogo de Castro.
Esse documento, que lhes confere a fidalguia, é claro quanto à justificação da mesma, enumerando uma longa lista de serviços prestados que incluía o auxílio a fidalgos em situação difícil, a embaixadores estrangeiros e à própria Coroa. Esse documento refere também que Diogo de Castro e seus irmãos defenderam fortalezas no Oriente, assim como socorreram a cidade de Diu no seu último cerco, com homens armados e frota. Claro que, apesar de nobilitados, não abandonaram a sua atividade comercial.
Na década de setenta Diogo de Castro do Rio continuou as suas atividades financeiras e de comércio por grosso de produtos coloniais, segundo o seu testamento. Nesse documento fica claro que fazia empréstimos avultados não só ao rei e à regente, como a outras figuras notáveis, entre muitas o Duque de Aveiro. Por seu lado, Luís de Castro do Rio tinha, na mesma década, pelo menos um procurador em Goa. Através de uma Carta de Quitação sabemos que mantinham relações comerciais com mercadores de renome, como Jácome de Bardi ou Cristóvão de Riba.
À medida que estas famílias de origem judaica ascendiam (fossem elas de juristas ou comerciantes) e isso no caso da família Castro do Rio também se verifica, eram dominantes as suas preocupações com a “honra”, com a nobilitação. Ou seja, aqueles que ascendiam à nobreza procuravam acumular terras e réditos e fundar morgadios como forma de garantir a continuidade da nova casa nobre. No caso da família Castro do Rio os bens fundiários estavam concentrados em Sacavém e em Lisboa.
Tal como um nobre, o que tem bens de raiz, também os primeiros Castro do Rio desenvolveram uma estratégia de obtenção de propriedades. Em 1564, Diogo de Castro comprou umas casas grandes junto ao Mosteiro de São Francisco, na Rua dos Cabides, onde passou a residir. Pouco antes de morrer negociou o conjunto de propriedades do antigo Senhorio de Barbacena, passando assim de fidalgo a terratenente. Por sua vez, Luís de Castro do Rio comprou uma quinta na Caparica e provavelmente umas casas na Rua do Barão em Lisboa. No seu testamento recomenda aos seus herdeiros a aplicação de capital em bens de raiz, o que aliás corresponde à atitude predominante na época.
Outra forma de conquistar visibilidade era a prática da caridade e de promoção de “obras pias” realizadas através da Igreja, como forma de perpetuar a memória de benfeitores. Assim, não é de estranhar que Luís de Castro do Rio tenha fundado o Convento do Espírito Santo, garantindo um lugar sagrado para a sua sepultura e dos seus descendentes. Diogo de Castro do Rio faleceu em 1575 e Luís de Castro do Rio quatro anos mais tarde, tendo este último sido sepultado na cripta, sob o altar-mor, da capela do Convento, num sarcófago de pedra que o público também agora pode visitar.