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Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Maria Keil “uma operária das artes”

3 de março de 2024
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A crónica de março é sobre uma mulher, uma grande artista portuguesa, Maria Keil, reconhecida pela sua vasta e diversificada obra e que gostava de se intitular a si mesma como “operária das artes”. Os trabalhos de Maria Keil abarcam distintas áreas artísticas como o design gráfico e de mobiliário, a publicidade, a ilustração, a tapeçaria, a cenografia, a pintura e a azulejaria. Em Lisboa podemos admirar alguns dos seus belos murais de azulejos, como por exemplo o fantástico painel “O mar”, localizado na Avenida Infante Santo. Com efeito, esta multifacetada artista desempenhou um papel crucial na renovação do azulejo contemporâneo em Portugal. Foi publicamente distinguida com o grau de Comendadora da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico, em 1981.
Maria Pires da Silva Keil do Amaral nasceu em Silves, em 1914 e, faleceu em Lisboa, em 2012. Frequentou a Escola Industrial no Algarve tendo sido aconselhada pelo seu professor Samora Barros a continuar a sua formação na Escola de Belas-Artes, em Lisboa. Já em Lisboa e após a conclusão do curso geral de três anos, Maria Keil ainda cursou o primeiro ano de pintura com o pintor Veloso Salgado. Foi durante este período que conheceu o então estudante de arquitetura Francisco Keil do Amaral como qual viria a casar em 1933. Será neste período da sua formação superior que Maria Keil começou a conviver com os mais notáveis intelectuais e artistas da época, levando-a a questionar o “academismo”, tendo optando por sair das Belas-Artes, porque como afirmou numa entrevista “na Escola não se aprendia nada”. Será justamente em casa de amigos, nos cafés como a Brasileira do Chiado, onde tem acesso às ideias artísticas vanguardistas internacionais.
Segundo os investigadores a vida e a obra de Maria Keil pode ser subdividida em duas grandes fases de produção. A primeira fase compreendeu as décadas de 1930 a 1940 e caraterizou-se por uma época de aprendizagem e formação no domínio das artes gráficas, publicidade e artes decorativas, fase em que também respondeu a várias encomendas estatais. A segunda iniciou-se na década de 50 e estendeu-se até ao final da sua vida, tendo sido um período de experimentação e consagração em vários domínios, como a ilustração infantil e a azulejaria, desenvolvendo trabalho para empresas privadas e particulares.
A sua experiência profissional começou no Estúdio Técnico de Publicidade (ETP) em 1936, fundado por José Rocha, local onde não só reaprendeu a desenhar, como desenvolvendo um grafismo de risco sintético e estilizado, marcadamente modernista, influenciada pelos restantes artistas gráficos que trabalhavam no estúdio, entre eles o suíço Fred Kradolfer que muito contribuiu para o desenvolvimento das artes da decoração e publicidade em Portugal. Maria Keil irá aplicar os conhecimentos adquiridos, o sintetismo e a racionalidade, a noutras áreas para além da publicidade nas décadas posteriores.
Nas décadas de 1930 e 1940, à semelhança da maioria dos artistas da sua geração, Maria Keil trabalhou para o Estado português, nomeadamente através da ação do Secretariado da Propaganda/ Secretariado Nacional da Informação Nacional (SPN/SNI), organismos do Estado Novo que visavam colocar a Arte ao serviço do regime. Desenvolveu trabalho como decoradora nas exposições internacionais de Paris (1937), Nova Iorque (1939) e São Francisco (1939), bem como na Exposição do Mundo Português (1940). Também colaborou na revista Panorama e na decoração das Pousadas de Portugal e dos edifícios dos CTT, além da elaboração de figurinos e cenários para a Companhia de Bailado Verde-Gaio.
No entanto, importa salientar que Maria Keil sempre se posicionou contra o regime, tendo sido presa pela PIDE em 1953, por ter ido receber a ativista Maria Lamas ao aeroporto. Durante a sua vida, Maria Keil sempre demonstrou uma forte consciência social e política, tendo defendido várias causas como o Movimento da Unidade Democrática (MUD).
A partir da década de 1950 a sua obra irá privilegiar a azulejaria e a ilustração infantil, duas áreas artísticas de desenvolveu notavelmente até ao final da sua vida. O seu percurso na ilustração infantil começou com “Histórias da Minha Rua” em 1953, de Maria Cecília Correia e o último em 2010, “Florinda e o Pai Natal” de Matilde Rosa Araújo. Deixou-nos mais de quarenta obras ilustradas para crianças que muito enriquecem o panorama da literatura infantil.
Foi igualmente na mesma década de 1950 que Maria Keil começou de forma mais intensa e regular a trabalhar na área do azulejo. São de sua autoria muitos painéis de azulejo abstrato, de cariz geométrico, obra que muito contribuiu para introduzir o modernismo na azulejaria portuguesa. Além do revestimento de muitas paredes das estações do Metro de Lisboa, destaco os painéis do refeitório da Escola Primária da célula VI de Alvalade (1956), os painéis do conjunto habitacional da Avenida Infante Santo (1958); painéis para a TAP em Paris e Luanda (1954), entre outros.
Embora Maria Keil não se considerasse pintora, na verdade ao longo da sua vida pintou várias obras, especialmente retratos. Aliás, em 1941 conseguiu um prémio com um autorretrato e, entre 1946 e 1956 participou regularmente nas Exposições Gerais de Artes Plásticas. O conhecido investigador José-Augusto França inscreve a obra de Maria Keil na segunda geração modernista. Relativamente ao desenho Maria Keil tinha outra atitude, porque considerava que era fundamentalmente uma desenhadora.
A notável Maria Keil demonstrou possuir uma capacidade de abstração notável, nomeadamente nos revestimentos azulejares de grandes superfícies onde não há repetição de motivos, engenhosamente combinados em variações, trabalhando planos e escalas que possibilitam inserir por vezes uma dimensão onírica. A sua obra é um legado vasto, variado, onde a sensibilidade e beleza nos seduzem.

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