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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

Ainda sobre a presença romana em Bucelas

4 de julho de 2021
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Numa crónica anterior já apresentei, de modo sucinto, parte do resultado dos recentes trabalhos arqueológicos realizados em Bucelas promovidos pela Câmara Municipal de Loures, numa área relacionada com a construção de um novo muro de suporte de terras, localizada na Rua Marquês de Pombal e parte do Largo do Espírito Santo. Essa intervenção arqueológica decorreu entre 2018 e 2019, e, neste momento, terminada a escavação, prossegue a construção do referido muro de suporte de terras. Como foi divulgado pela autarquia, o projeto original foi readaptado de modo a permitir a musealização de algumas das estruturas romanas identificadas durante os trabalhos arqueológicos, com o objetivo de criar um pequeno núcleo de atração e divulgação do património histórico desta povoação.

Este novo sítio arqueológico carateriza-se por duas ocupações humanas muito distintas: numa face mais recente e, portanto, no nível superior, identificou-se a existência de uma necrópole cristã com uma ampla diacronia, dos séculos XV a XIX, possivelmente relacionada com a antiga capela do Espírito Santo entretanto desaparecida. Sobre este nível de ocupação já tive oportunidade de escrever sobre a sua importância para a história local em crónica anterior conforme referido acima. Ainda se encontra no Museu do Vinho e da Vinha uma exposição temporária sobre o antigo cemitério onde o leitor interessado poderá obter mais informação sobre os trabalhos arqueológicos realizados.

Assim, neste mês de julho, o enfoque irá incidir sobre o nível mais antigo de ocupação identificado no decorrer da intervenção arqueológica, nível esse que corresponde a um conjunto de estruturas habitacionais datadas da época romana, mais precisamente entre os séculos I e II d.C. o que corrobora a presença romana em Bucelas e, consequentemente, a antiguidade deste local. A descoberta de mais um sítio desta época não só enriquece o conhecimento sobre a história e o povoamento da zona de Bucelas na antiguidade, como é mais um contributo para a caracterização de toda uma zona periférica relacionada com a antiga cidade romana de Lisboa, Olisipo.

Na realidade, toda a região de Bucelas bem como a atual área do concelho de Loures estava, à época, integrada no Ager Olisiponensis, ou seja, na área administrativa da cidade romana de Lisboa, a Felicitas Iulia Olisipo. Além das estruturas habitacionais agora identificadas já existiam outros indícios que indicavam a presença romana em Bucelas.

Começando pelo Largo do Espírito Santo, subsistem aí duas inscrições funerárias romanas, no adro da matriz de Nossa Senhora da Purificação, uma delas com grande destaque pela sua localização; é um cipo funerário conhecido localmente como “pedra da memória”. Recorde-se que os dois monumentos epigráficos funerários existentes no Largo Espírito Santo foram datados do mesmo período: o cipo incorporado no muro do adro da igreja matriz junto à cabeceira está datado de finais do século I d.C. ou mesmo dos inícios do século II d.C.; a outra inscrição adossada a um muro junto a uma escadaria próxima da entrada do templo foi, por sua vez, datada do século I d.C.

Além destas duas inscrições convém destacar o Mausoléu romano da Quinta da Romeira de Baixo, mais um dos importantes vestígios da presença romana nesta região. Não posso deixar de mencionar outros achados, como a estatueta itifálica, pequeno bronze representando uma figura dionisíaca, cuja réplica podemos contemplar na exposição permanente no Museu do Vinho e da Vinha de Bucelas, além de outros objetos mencionados em bibliografia publicada ao longo do tempo, e dos quais se desconhece o atual paradeiro, como por exemplo mais uma inscrição funerária e um tesouro monetário.

Outro aspeto fundamental a considerar para melhor compreender o povoamento desta região durante a época romana é ter em consideração a rede viária existente na altura, nomeadamente a via que partindo de Lisboa garantia a ligação à cidade romana de Braga, Bracara Augusta. Segundo os investigadores, este eixo viário fundamental tinha duas alternativas: a primeira partia de Lisboa e atravessava Sacavém e o rio Trancão em direção a Santarém, seguindo para Braga; uma segunda alternativa partia igualmente de Lisboa descendo pelo atual Lumiar, Calçada da Carriche até à várzea de Loures, atravessando Loures, São Julião do Tojal, e seguindo na direção de Vialonga, onde entroncava com a primeira variante. Em São Julião do Tojal entroncava uma outra estrada romana que atravessaria a zona de Bucelas na direção de Vialonga. Ora, não é de estranhar que alguns sítios romanos tenham sido identificados nas proximidades de vias terrestres e/ou também associadas a cursos de água significativos, como o caso da Villa de Frielas e do sítio das Almoinhas em Loures. Assim, os vestígios romanos encontrados no centro da vila de Bucelas estariam próximos de uma estrada romana, nas imediações do rio Trancão, e rodeados de terrenos férteis, fatores fundamentais para a fixação de comunidades. Para todos os leitores interessados saliento que foi publicado um artigo sobre este sítio nas atas do III Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses 2020, que poderá consultar neste link:

museu arqueologico do carmo

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