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Opinião
Florbela Estevão – Arqueóloga e Museóloga
Florbela Estevão
Arqueóloga e Museóloga

Paisagens e Patrimónios

A Tanoaria de Bucelas

6 de novembro de 2022
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2ª Parte

Zé Espiga, apesar de gostar de estar na tanoaria, e de ajudar o pai principalmente nas férias e na atividade das feiras, fez o seu percurso escolar até ao final do antigo liceu. Começou por frequentar o Liceu Camões no ano letivo de 1972-73, onde apenas esteve um ano. O ambiente deste liceu era muito rigoroso, e o seu diretor, perfeitamente integrado no regime ditatorial, não permitia qualquer margem de “liberdade”, pelo que o nosso amigo não se deu muito bem naquela instituição de ensino. Assim, continuou os seus estudos no Liceu Padre António Vieira, até 1977. Nessa altura, em pleno alvoroço da Revolução de Abril, o Zé era anarquista, ecologista, vegetariano…tudo isso segundo as suas próprias palavras.
Acabou por optar por ficar na oficina de tanoaria da família, gostando do contacto com os materiais, conhecendo bem os processos de fabrico, envolto pelos odores daquele ambiente e pelo calor da fogueira nos dias frios, ou seja, o ofício acabou por o “prender ao local”, mesmo afetivamente, seguindo a profissão do pai. Este, quando ele começou, não foi o seu único mestre, mas foi-o também um empregado mais experiente que lá trabalhava, José Valente. Quando o pai faleceu, em 1991, Zé Espiga assumiu então o negócio da família.
Contrariamente ao que acontece nos dias de hoje, a comercialização dos produtos da oficina era feita essencialmente nas feiras. Ainda nas últimas décadas do século XX o nosso entrevistado recorda-se de frequentar várias dessas feiras: a de Rio Maior (a maior em volume de vendas), a de São Bartolomeu (Lourinhã), a da Misericórdia (Bombarral), bem como a da Malveira. Nesta última ele deixou de vender em 2020, dado o decréscimo de vendas, que se acentuou durante e após a pandemia.
Neste momento, em 2022, esta oficina de tanoaria é, como disse, a única existente em Bucelas e em todo o concelho. Houve ainda, no final do século XX, uma a funcionar em Loures, mas fechou. Questionado sobre o futuro da sua oficina, Zé Espiga é claro: neste momento é o único no seu ofício em Bucelas, e não tem ninguém interessado em aprender com ele. Assim, continuidade está em risco. Sem incentivos externos à oficina, sejam públicos ou privados, não será possível angariar aprendizes e futuros mestres.
O nosso entrevistado recorda uma experiência recente com um aluno de um curso profissional de uma escola de Arruda dos Vinhos: o jovem veio fazer um estágio na sua tanoaria, mas, finalizado o estágio, não voltou mais. De facto, ser tanoeiro exige alguma força física, é um trabalho exigente, e o retorno financeiro não parece ser muito aliciante. Na verdade, e segundo a opinião que nos transmitiu, baseada na experiência de toda uma vida de trabalho, para aprender o ofício são necessários um a dois anos, e outros tantos para aperfeiçoar essas capacidades. Ora, a formação de alguém implica despesa e disponibilidade de tempo por parte do formador, o que se torna incomportável, sem apoios institucionais, para uma pequena tanoaria como é aquela de que falamos.
Relativamente ao negócio ainda existente, a clientela é muito variada, desde o agricultor que procura o mais básico para a sua pequena produção de vinho, até à venda de miniaturas que funcionam como recordações turísticas. Até há pouco a cartela era o recipiente mais vendido, mas atualmente deverá ser o barril, cuja capacidade orça em geral de 50 a 100 litros. Mas, a tanoaria do Zé Espiga de Bucelas produz muitos outros tipos de peças de madeira, desde bancos, a tinas para banhos, pequenos barris para decoração, etc… há uma variedade de objetos que ele consegue fazer, por encomenda, apenas condicionado pelas dimensões da oficina e pelo facto de ser o único que ali labora. Ele recorda que, quando ali começou, em 1983, havia na vila 5 tanoeiros...e, como referi, agora só resta ele, o último que aprendeu o ofício.
É caso para alertar os poderes públicos para este património em risco. Zé Espiga continua, com entusiasmo, a criar com as suas mãos objetos que transportam gerações de saberes-fazer ligados ao manuseamento hábil da madeira! E fica aqui também o convite para que me lê visitar a Tanoaria do Zé Espiga em Bucelas!

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