Mel de Cicuta
Dentro de nós
6 de março de 2019
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Comprei uma guitarra. De seis cordas, semiacústica.
Não. Não sei tocar.
Na verdade, já não toco nenhum instrumento há mais de 30 anos.
Sempre gostei da guitarra, mas nunca aprendi.
O momento inspirador foi quando os meus filhos estavam a fazer desenhos nas suas folhas e desafiaram o avô, meu sogro, para os acompanhar. Ele respondeu - «Não tenho jeito». A Alice de imediato disse - «Anda avô, tenta! Se treinares muito vais desenhar melhor». E o Joaquim, com três anos disse de seguida «se ficar mal, não faz mal, se ficar bem, não faz mal».
Achei que era a altura de comprar a guitarra. De sair do tal «espaço de conforto», de arranjar mesmo maneira de fazer qualquer coisa de diferente e que me faça ter outro olhar.
Não. Não tenho esperança de vir a saber tocar bem. Mas uma coisa aprendi. Se não treinar não melhoro e se tocar bem ou mal, não faz mal. Os que me amam continuarão a amar, e os que não amam continuarão a não amar.
É quase sempre assim na nossa vida. Fazemos escolhas baseadas no nosso espaço de conforto e recusamos muitos desafios, por isto e por aquilo. Mas a revolução possível é dentro de nós. É a tal que funciona. A que nos pode dar outro olhar, outros horizontes. A que pode ser feita todos os dias e em qualquer momento. Mas da qual passamos o tempo a fugir mas, para a qual estamos sempre a tempo.
Nós sabemos que não há realidades eternas, Nietzsche avisou-nos, mas não sabíamos que as coisas iam passar a ser diferentes a um ritmo alucinante, os empregos não são para a vida, os casamentos não são para a vida, as casas não são para a vida, os valores éticos não são para a vida e vivemos a angústia da dúvida, da incerteza, da massificação do vazio.
Pais que pressionam filhos para estudarem compulsivamente em nome de um futuro que ninguém sabe se vai existir, pessoas que veem com os seus olhos e julgam outros cujas realidades completas desconhecem, sociedades que condenam pessoas na praça pública com uma linha que leram num qualquer jornal tão mau quanto este.
Dentro de nós está a resposta. Para quase tudo.
Se nos melhorarmos, já muda tudo o que nos rodeia, para melhor.
E eu tenho tanto a melhorar no que toca ao tocar guitarra!
PS: Este artigo é estupidamente escrito com o novo acordo ortográfico.