Editorial
Sonhos de menina
2 de fevereiro de 2020
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Quando era miúda, queria que a minha mãe me oferecesse uma boneca que era apenas um busto, com longos cabelos para fazer penteados. Trazia um entrançador, ganchos de várias cores, do mais piroso que havia, escovas, rolos e elásticos.
A minha mãe achou um escândalo. “Meia boneca? Credo!” Ofereceu-me uma Nancy, uma boneca mais regordeta que trazia vestidos e um toucador.
Agradeci e brinquei na mesma, mas deu-se cabo daquela que podia ter sido uma grande carreira de hairstylist.
Passados uns aniversários, pedi um rádio com gravador de cassetes. Recebi um que até tinha microfone e com ele a última cassete dos hits dos Onda Choc.
Como fui feliz!
Na altura ouvia as músicas das manas (todas mais velhas) que iam de Bryan Adams que eu nada entendia, às mais dramáticas sevilhanas que elas dançavam aos pares nos quartos com as secretárias desviadas.
Com os Onda Choc ficava sentadinha no chão do quarto a ouvir em português músicas que falavam da escola e dos professores e de pais que não subiam semanadas e de feiras populares.
Como gostava quando os versos rimavam.
Eram tipo rebuçados que saboreava a cada verso.
Na minha cabeça, as músicas que as mais velhas ouviam em inglês eram diretamente proporcionais às versões escritas pela Ana Faria. Era quase uma sensação de pertença ao Mundo. Eu também percebo o que é que os crescidos estão a ouvir.
E depois ganhei o gosto pela escrita, por ouvir e depois também eu quis ser ouvida, e lida. E aqui estou.
Recordo este episódio no mês do meu aniversário. E se os presentes das crianças podem ser caprichos muitas vezes podem dar forma a gostos mais profundos e isso é importante fomentar.
Adoro escrever e ainda bem que fui exposta a música, poesia, literatura, teatro e cultura, ainda assim, acho que tinha dado uma ótima cabeleireira!