Gil Teixeira - Jurisconsultor
Loures precisa de árvores
9 de julho de 2018
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A partida ultra-precoce, e sem a ponta de uma “justificação”, e chocante do jovem Pedro Santos Pereira do nosso convívio e dos comandos do “Notícias de Loures”, o mensário bem fundado que fundou, sem pré-aviso, e por isso é uma mentira, como bem anotou Filipe Esménio no seu editorial de março passado, além do sofrimento e da dor que causou e causa a todos os familiares e amigos, leva-nos a uma meditação de todos os que se vão indo deste mundo sem vontade própria, por contraposição aos que por saberem que têm uma viagem muito dolorosa e breve pela frente exigem que lhes seja dado o bilhete a que têm direito da partida, com data e hora marcada.
Percebe-se que estamos a falar da eutanásia. A dignidade de morrer dignamente para uns, um retrocesso civilizacional para outros. Dentro destas duas balizas cabem ainda “explicações” que os mortais põem na boca de Deus, ou do transcendente, tudo dependendo de umas meras barbas, como se a vida e a morte não fossem obra do mesmo autor.
Tudo isto somado com os debates políticos da generalidade e da especialidade fazendo crer que o mais humilde cidadão não saiba que estar vivo é o contrário de estar morto, passe a morbidez e a ligeireza da afirmação.
José Saramago, o homem que revolucionou o romance literário transformando-o em algo de inter-ativo, moderno e “societário” acabando de vez com os contos de faca e alguidar literários, e bem assim os de cordel, agora recuperados pelas telenovelas, em que a moça apaixonada (re)parte o coração com o coração dos apaixonados que vai substituindo ao longo dos episódios, e das temporadas, “googlando”, como se faz agora na melhor investigação criminal, disse num programa de televisão sobre a eutanásia, que “Ninguém tem o direito de dizer a uma pessoa que quer sair da vida “você vai ter que ficar aí ligada a uma data de tubos”.
Aqui Saramago, sendo um humanista, ao contrário do pregado pelos seus parceiros políticos não se importa de ser tido como atrasado civilizacionalmente, estende a mão aos enfermos sofredores que querem acabar com o sofrimento irreversível.
Nos paradoxos das “Intermitências da morte”, Saramago, ou melhor a morte poupa o violoncelista da morte deitando o envelope roxo destinado ao artista que continha um cartão no qual estava inscrito o dia da sua morte para o lixo.
Acompanhei de perto um caso de eutanásia de pessoa amiga, Odete, belga, que depois de uma guerra longa e muito dolorosa contra o bicho do cancro, sendo vencida por esta besta, no dia xxx , e depois de uns procedimentos securitários, pelas 9 horas matinais, no seu lar, na Bélgica, pediu que um médico, uma enfermeira, e uma autoridade, e na presença do filho, a deixassem sair do seu corpo extremamente doente e incurável. Cinco minutos depois 9 horas da manhã a Odete deixou o seu corpo e descansou. Aqui, a minha amiga Odete sabia o dia exato em que abandonaria o seu corpo. É preciso uma coragem extrema, e um sofrimento enormes para decidir que o maligno só pode acabar com a vida.
Paulo Cardoso, num “estudo” ou charlatanice sobre ”ciências” ocultas que diz que fez sobre os escritos de bruxedos do magistral Fernando Pessoa arenga que este se enganou um dia nas contas da sua morte, e se não tivesse cometido esse erro de contas “astrais” teria acertado na mouche na data da sua morte.
A minha amiga não era poetisa nem bruxa e não falhou em saber a data da sua morte.
Penso que todos não toleramos a eutanásia. A morte não é boa para ninguém. A diferença é que uns são insensíveis que a pessoa morra em atroz sofrimento, impedindo-as de abandonar o corpo malsão e irrecuperável, e outros, humanos, permitem-lhe que possa libertar o corpo da doença e para isso da vida, como diz Saramago.
Os cuidados paliativos são um remédio para a consciência dos inumanos que preferem o prolongamento do sofrimento ou da doença dos outros.
O assunto da eutanásia é demasiado doloroso e não precisa de nenhum debate, nem de falsos dramas, vivido pelas consciências dos moços deputados no Parlamento. Saramago tem razão, no dia em que nascemos é escrito um envelope que tem no seu interior um cartão com nosso nome e a data da nossa partida, mas esta é invisível, e só a morte com a sua gadanha sabe quando o há-de vir recolher. A eutanásia, com a libertação da doença irreversível e maligna do corpo é uma exceção.
Passemos a página. Faz mais sentido, e tem mais alegria e vida falar de árvores. Fazem sombra, oxigenam e embelezam o ambiente, e criam e deixam raízes, e até podem dar frutos.
A cidade de Loures, além de ser uma cidade, mantém felizmente os traços de ruralidade, e a norte é muito verdejante, e tem dois jardins públicos um deles enfeitado com a réplica da fachada duma igreja de Macau, mas paradoxalmente no seu interior não tem árvores para combater os raios de sol que queimam os seus passeios e as moleirinhas dos transeuntes.
Diz-se ou tem-se a impressão que Bernardino Soares é um homem muito apegado ao equilíbrio das contas públicas. Salvaguarda a distância intelectual, Salazar também o foi mas Duarte Pacheco encheu os pulmões de Lisboa com o parque florestal de Monsanto.
Tudo custa dinheiro, mas penso que arborizar Loures, e em particular os seus jardins públicos é provável que não faça rebentar por defeito os cofres do município. Ademais, o dinheiro do município é do município. Apenas se pede que o presidente seja um bom gerente sem ser unha de fome. Será pedir muito? Pensamos que não, e os lourenses e turistas merecem as sombras.
Loures precisa de vida e de verde e de juventude e não vamos dizer que de presidentes cinzentos e de fatos apertados está o portugalito cheio.
A arborização de Loures e dos seus jardins não deve custar uma pipa de massa como as faraónicas obras da estrada “velha” da cidade de Loures, a quem cortaram a mão do norte e adelgaçaram tanto que uma camioneta tem dificuldade em passar a sua barriga.
Filipe Esménio, na sua crónica de maio último, com mel e cicuta, exorta, e bem, o pessoal de Loures a fazer coisas e que não seja apenas cozinhar os caracóis, e as momices e os carros alegóricos do carnaval.
Os jardins de Loures precisam tanto de árvores como as casas precisam de chaminés. Também as crianças não podem brincar nos jardins debaixo da torreira do sol. Por outro lado podia desenvolver-se o mercado dos viveiros de plantação de árvores essencial para tapar as grandes crateras nas florestas deixadas pelos incêndios de verão.
Finalizando fica aqui um merecido preito público a Pedro Santos Pereira pelo seu humanismo e obra realizada em prol da comunidade, e se me permitem à minha amiga Odete, tendo ambos partido para outras dimensões, um de forma imprevista e outro com hora marcada, mas ambos muito injustamente, como é apanágio da morte.