Anuncie connosco
Pub
Entrevistas

Diretor do Agrupamento das Escolas de Portela e Moscavide

"o nosso objetivo é formar pessoas"

3 de dezembro de 2021
Partilhar

ENTREVISTA EM VÍDEO AQUI

 

Nuno Santos Reis tem 57 anos. É professor de Educação Física e, há cerca de dois anos e meio, diretor do Agrupamento das Escolas de Portela e Moscavide que distam 3km entre si, com 2700 alunos. Licenciado no FMH, nascido em Dili, andou a vaguear durante muitos anos pelas ex-colónias, numa família de 7 irmãos, 5 meninas e 2 meninos.

 

A Escola Secundária da Portela tem tido bons resultados nos rankings. Qual a razão deste sucesso?

O resultado dos alunos está diretamente relacionado com algo que não controlamos, o ambiente familiar e o empenho dos pais no percurso académico dos seus filhos.
O nosso extrato social é médio alto, diferente de muitas escolas do concelho. Procuramos muito o envolvimento dos pais e das Associações de Pais, e não temos medo de trazer os pais à escola. Claro que por isso, por vezes, há alguns excessos, mas é o preço que temos de pagar por estarmos todos envolvidos no projeto educativo…

 

Em que consiste esse projeto educativo?

O nosso projeto educativo assenta em concretização de diferentes projetos multidisciplinares. Estou a ter um diálogo curioso com os nossos professores de primeiro ciclo que me dizem que não têm tempo para ensinar português e matemática pelo volume de projetos em que estamos envolvidos.

 

Que tipo de projetos estamos a falar?

O projeto de Música com o Conservatório de Artes de Loures, um projeto de Educação Física com aulas semanais para todos os alunos, um projeto da Escola de Piratas, no qual coordenamos um centro náutico em desporto escolar, junto ao Oceanário, onde levamos 5000 miúdos a praticar vela e canoagem nas docas dos Olivais. Já recebemos escolas de todos os lados. Temos outro projeto com a língua gestual, um sonho que eu já tinha há 20 anos pois considero que todos os professores e alunos que dominem a língua gestual têm uma ferramenta para a vida. Temos um projeto de ciências no primeiro ciclo. Temos muitos projetos…
Acredito num ensino assente em projetos e dinâmicas envolvendo todos no projeto educativo e felizmente temos tido uma grande adesão. Seria mais fácil cingir-nos à sala de aula, mas, este é o modelo em que acreditamos.

 

O modelo de ensino tem sido criticado ao longo dos anos, que visão é que tem sobre esta evolução?

O sistema educativo é uma máquina muito pesada. É difícil mudar alguma coisa, é difícil habituar-nos a uma nova forma de trabalhar.
Muita coisa tem sido feitas e o Ministério da Educação tem demonstrado mais abertura. A adoção da semestralidade, por exemplo, vai mudar alguma coisa. Não podemos viver centrados na avaliação. Estamos sempre a avaliar. A avaliação em si não é má mas tem de ser formativa e os professores vivem o seu dia a dia com a obsessão da avaliação. Não é isso que nós queremos. Queremos um ensino centrado nos alunos e não na avaliação. E este agrupamento é propício para isso.
Esta freguesia é uma comunidade e isso é bom, é uma pequena aldeia e isso facilita a comunicação com cada um.
O crescimento dos nossos alunos faz-se através de projetos. A sala de aulas é importante, mas não é tudo. Pedimos aos nossos professores para virem para a rua dar aulas.
Temos projetos de orçamento participativo, efetuado com os alunos em que pensamos ter um espaço para dar aulas ao ar livre. Os próprios alunos foram à junta pedir apoio e está a ser iniciada a construção de um anfiteatro ao ar livre. Estes são pequenos passos para uma mudança gradativa.

 

Considera que a escola que a escola está sempre em busca da excelência e da competição ao invés da cultura da normalidade e da cooperação?

Quando nas escolas surgiu, aqui há uns anos, os quadros de honra, ainda era um jovem cheio de ideias, e eu era contra os quadros de honra. O nosso sistema educativo não promove a equidade e há grandes diferenças entre alunos e não fazia sentido. Sou muito mais adepto do quadro de valor, mas eles existem os dois e, por isso, há que avançar e cumprir.
Quanto à questão da competitividade, ela é tremenda e no secundário é algo muito preocupante. Temos muitos alunos com problemas de stress e nós criamos novas gerações complicadas na própria relação humana.
Queremos promover a cidadania e temos um projeto que se chama Escola Mais Humana.

 

De que forma?

Para criar os cabazes de natal para as famílias mais carenciadas, por exemplo. Tínhamos 250 famílias identificadas no ano passado e com a recolha de alimentos conseguimos em 2020 fazer 400 cabazes para distribuir e entrámos em contacto com a junta de freguesia que levou o remanescente para os mais idosos nos centros de dia. Estes projetos são de valor incalculável que procuram contrariar a competitividade.

 

Não serão horas a mais na escola para as crianças?

Sim. É verdade e isso é um problema grave, mas, muitas famílias têm essa necessidade. As crianças perdem essa possibilidade de evoluir com as suas famílias. É um problema que ultrapassa as escolas. Nós temos muitos alunos nessas condições. Sempre que a escola fecha recebemos muitas queixas das famílias que não têm onde deixar as crianças. O modelo social mudou.
Tivemos em tempo de pandemia situações preocupantes. Muitas crianças fizeram a sua própria gestão diária.

 

Como é gerir uma escola com 2700 alunos em período pandémico?

Foi um desafio gigante. Sou diretor há dois anos e meio e quase nasci com a pandemia. Eu e a equipa da direção estamos cerca de metade dos nossos dias aqui na escola para dar resposta às necessidades, das 9h às 21h, às vezes mais.
Tivemos sempre um apoio muito direto das Associações de Pais, fomos dos primeiros a criar condições para que os alunos pudessem aceder às aulas online. Identificámos cerca de 180 alunos dos 2700 que não tinham material informático. Os pais criaram uma campanha de angariação de fundos online que, em 10 dias, conseguiu juntar mais de 13 000 euros e comprámos mais de 100 tabletes e mais de 50 computadores, entre outros recursos informáticos.
Conseguimos assim assegurar que todos os alunos podiam assistir às aulas online. Os que não assistiram não foi por falta de equipamento.
É óbvio que havia aqui algum desequilíbrio entre os alunos que tinham mais apoio em casa e mais conhecimento informático e outros com dificuldade. Com o apoio da CM Loures conseguimos hotspots para todos, professores e alunos, para todos termos internet.
Nos casos mais específicos que identificámos, fomos um a um e, esses cerca de 30 alunos, vieram para a escola presencialmente com professores que os acompanharam.
Como é que os pais reagiram aos casos de Covid na escola?
Nos primeiros meses foi um caos, chamadas, queixas dúvidas e incertezas, e passámos a fazer relatórios semanais para mostrar que reagíamos o mais rapidamente possível e que éramos transparentes e penso que começaram a confiar em nós.
Fomos ainda escola de acolhimento, para os filhos dos trabalhadores de primeira linha, enfermeiros, médicos e outros e mantivemos o apoio do refeitório em modo take away. Muito agradecemos o apoio da CM Loures e da Junta de Freguesia de Moscavide e Portela. A Junta fazia regularmente o transporte dos alimentos aos que não podiam sair de casa.
Demos respostas de excelência, aliás o feedback dos pais foi ótimo. Dentro das circunstâncias, acho que demos uma excelente resposta.

 

A profissão de professor era nobre, hoje parece ser pouco atrativa como carreira profissional. A que se deve esta perda da dignificação da carreira?

Esse é um problema gravíssimo. A figura do professor na minha infância era uma referência. Ao longo dos anos os professores foram perdendo esse estatuto. Com muita culpa de políticas e dos diferentes governos que ao longo dos anos contribuíram para essa situação. Lembro-me por exemplo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues que criou, sem dúvida, um momento difícil. A imagem dos professores ficou de rastos. Os pais começaram a pôr em causa a capacidade e a idoneidade dos professores.
Lembro-me de um sketch com duas imagens, em 1980 os pais viram-se para os filhos e perguntam «que notas são estas?» e hoje o pais viram-se para os professores a perguntar «que notas são estas?».
Fui habituado desde pequeno a ser responsabilizado pelas notas e por tudo o que fazia. É importante perceber que para ter boas notas é preciso aplicação e trabalho.
Houve um desinvestimento tal na formação dos professores que estamos a viver um momento difícil.
Há muitos anos atrás estive para ir para Macau receber o 12º ano e, na altura, eu poderia dar aulas até ao 11º ano estando a cursar no 12º ano. Acho que estamos à beira de viver uma situação dessas.
Há pouco tempo um professor entrou na escola e disse-me que era o primeiro ano que estava a dar aulas. Sabe há quantos anos não ouvia isto?
Um outro professor disse “entrei há 10 anos para o ensino e era o professor mais novo da escola, volvidos 10 anos continuo a ser um dos mais novos da escola. Não entram novos professores”.
Reverter esta situação é muito complicado.

 

Há turmas sem professores?

Temos turmas que ainda não têm professores de inglês ou de francês. Procurámos dividir as turmas a que faltavam professores com horas extraordinárias, dos que cá estavam. Na nossa carreira não compensa, mas fizemo-lo apenas para assegurar os alunos. Horários que estavam a concurso já nem candidatos tinham. Não está em causa se eram bons ou maus candidatos, simplesmente não havia quem concorresse.
À nossa volta, noutros agrupamentos, houve turmas que durante um ano inteiro não tiveram matemática, por exemplo.
Aqui tentámos o mais rapidamente cumprir, mas, mesmo assim, temos 5 ou 6 turmas sem professor numa disciplina.

 

Se tivesse um desejo para a seu agrupamento, que desejo pedia?

Gostava de ter uma bolsa inesgotável de professores.
Apesar de haver escolas com necessidade urgente de obras no nosso agrupamento (temos casas de banho fechadas porque raízes das árvores darem cabo das casas de banho, e não termos dinheiro para fazer as obras) e termos salas e edifícios velhos, aquilo que não conseguimos superar é não termos professores e assistentes operacionais. O que gostaria era de ter recursos humanos inesgotáveis.

 

Que nota final gostaria de deixar?

Está a decorrer um projeto desenvolvido pela Associação de Pais que é o «Vem pintar uma sala». E são os próprios pais que, ao fim-de-semana, vêm cá pintar salas de aulas para dar um ambiente mais acolhedor e conservar as salas de aulas dos seus filhos. E isto para mim é de um valor inestimável. Conseguirmos a envolvência de todos em prol do nosso objetivo que é formar pessoas. Mais do que alunos de excelência, o nosso objetivo é formar pessoas.

Última edição

Opinião