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Entrevistas

Entrevista a Carlos Luís da Fonseca Candeias

"Felizmente os docentes souberam adaptar-se"

5 de julho de 2020
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Carlos Luís da Fonseca Candeias

- Nascido em Maputo (Lourenço Marques) – Moçambique - 27/04/1959.

- Licenciado em Arquitetura.

- Professor do GR 600 – Artes Visuais desde 1983 e há 36 anos na Escola Secundária
de Sacavém. Diretor desde 22/07/2011.

- Agrupamento de Escolas Eduardo Gageiro. Escola Sede: Escola Secundária de Sacavém.

 

Que impacto teve a Covid-19 no ambiente escolar?

A partir do dia 16 de março, com o encerramento das escolas, desceu sobre todos nós uma grande ‘neblina’. E com ela muita preocupação e ansiedade, principalmente, pela incerteza dos dias, associadas ao medo gerado entre a população, pela escalada dos efeitos da doença – no mundo e em Portugal - que, todos os dias, os órgãos de comunicação social noticiavam.

Lembro-me que, para esse dia, já haviam sido convocadas reuniões, visando antecipar, internamente, cenários a nível organizacional e comunicacional, face ao problema que se adivinhava cada vez mais nítido e, por isso, próximo. Tudo o que convidasse os docentes a dirigirem-se ao local de trabalho lhes parecia irresponsável. Ficar em casa era, definitivamente, mais seguro do que ir à escola, mesmo sem alunos.

Temeu-se o caos. Felizmente, os docentes souberam adaptar-se à adversidade da distância, mas sem poder conjeturar qualquer tipo de antecipação.

Importava serenar alguns ânimos, para se poder esclarecer e decidir, para além do previsto nos roteiros e ‘coordenadas’ emanadas da tutela e, dessa maneira, construir um plano flexível e orientador para ação e missão de chegar a todos, respeitando a especificidade de cada realidade educativa.

Quais as principais dificuldades com que se deparam as escolas neste novo contexto?

Sem dúvida que foi em busca do equilíbrio necessário para combater a insensatez, importante na gestão do tempo na organização administrativa, pedagógica e curricular, e pertinente na necessidade de se assegurar uma comunicação eficaz. Com a distância logo se percebeu a sua importância, onde a identificação de todos os participantes é primordial. E, com isso, a evidente necessidade de procedermos a um levantamento exaustivo sobre as condições de cada aluno – e de cada docente -, nomeadamente, daqueles que, sem meios tecnológicos, rapidamente, desapareciam do nosso ‘radar’.

Contudo, emergia um outro problema. Aliás, inerente à própria forma de comunicação à distância. Esse, centrava-se na familiarização dos docentes às ‘novas’ tecnologias, sendo necessário prestar algumas ajudas na utilização e gestão das plataformas disponíveis, mas pouco utilizadas. Neste capítulo, justificam-se todos os elogios aos docentes de informática, a par dos docentes mais habilitados no uso das tecnologias de informação, precisamente, no apoio aos menos experientes e ágeis nos meios e na experiência digital.

Quais foram as respostas da escola e dos professores?

Chegar a todos e, de preferência, do mesmo modo, era o compromisso que se impunha.

E a esse propósito cumpre referir a capacidade das escolas do nosso agrupamento para se reequacionarem e reinventarem. Para depois se redescobrirem, adaptando-se à adversidade, nunca antes vivida, e aí aprenderem.

Dessa forma - unida, ponderada e organizada -, partiu-se para a construção de um documento (Plano E@D) que desse resposta a toda população escolar, acautelando e uniformizando alguns princípios orientadores para a implantação do ensino à distância no nosso agrupamento escolar.

A par disto, e correspondendo ao pressuposto inicial, procedeu-se ao levantamento das necessidades e constrangimentos já citado, o que permitiu identificar as situações mais problemáticas e, assim, assegurarmos ajudas, apoios internos e externos para chegarmos a mais crianças e alunos que, de outro modo, permaneceriam incontactáveis, por falta de equipamentos e internet.

Depois, seguiu-se o planeamento do plano de ação, resultante de um trabalho, verdadeiramente, coletivo, cujo esforço, empenho, cumplicidade e espírito de resiliência de todos se enaltece.

Como classificaria as respostas das entidades públicas, ME, CM Loures, UJF Sacavém e Prior Velho?

Penso que foram as possíveis. Apesar da pandemia, associada ao conveniente isolamento social, que nos remeteu, a todos, para uma condição de dependência singular. E da excecionalidade da aplicação do Estado de Emergência que, apenas, veio enfatizar as fragilidades das escolas, precisamente, no que concerne às limitações das suas infraestruturas digitais e do seu parque tecnológico e informático.

Contudo, tenho presente que se torna mais fácil gerir os problemas evitando-os. Mas, naquele momento, não creio que fosse possível fazer muito diferente. Restava-nos reagir. E o mesmo fez o Ministério de Educação, a Câmara Municipal de Loures e a União das Juntas de Freguesia de Sacavém e Prior Velho, pese embora estas duas últimas entidades tivessem materializado a sua disponibilidade, generosidade e voluntarismo com a cedência de equipamento tecnológico (42 computadores e 107 hotspots) e outros serviços de apoio aos alunos e às famílias.

Porém, houve outras ajudas igualmente interessantes. Entre elas, a solidariedade das empresas, traduzida na oferta direta de computadores a alguns alunos dos Cursos Profissionais e do Ensino Secundário (Regular), e de alguns docentes e pais com a cedência de computadores portáteis/PC, atualmente, em desuso, mas recuperados e/ou em recuperação pelos docentes de TIC.

Talvez, por tudo isto, ao ME competisse mais protagonismo na decisão, ação e comunicação.

Como avaliaria a adaptação dos alunos à Telescola?

O poder ‘sedutor’ da imagem, plasmado num monitor ou televisor, é cada vez maior. E a atração que exerce junto das crianças e jovens é inequívoca. Nesse sentido, atrever-me-ia a classifica-la com 6 pontos, numa escala de 0 a 10. Mas acrescentaria que foi um regresso ao passado, repescando um sistema de ensino já utilizado em Portugal (Ciclo Preparatório TV e Ano Propedêutico) que em boa verdade até correspondeu positivamente, embora num contexto totalmente distinto.

Atualmente, face à pandemia, creio que a Telescola, tal como nos foi apresentada, visou encurtar distâncias, sendo mais uma estratégia de consolidação de conhecimentos, e com um efeito meramente ‘terapêutico’ e muito específico: - Diminuir o peso da arroba que nos separa (E@D)!

O regresso das turmas do 11.º e 12.º anos às salas de aula trouxeram outro tipo de problemas?

Claro que sim.

Um aspeto prende-se com o processo de desconfinamento. Não restem, pois, dúvidas sobre o efeito da mensagem #Fique em casa, quando comparada com #Vá trabalhar. Convenhamos, a primeira é muito mais eficaz. Associada a essa evidência surge-nos outra: O regresso é sempre mais difícil, até porque já é conhecido, a menos que a aventura não tenha sido enriquecedora. Mas na verdade, existe uma outra razão, talvez mais forte: Loures permanece como um dos concelhos do país mais atingidos pela COVID-19, o que preocupa, condiciona e atrapalha na hora do regresso à escola.

O outro refere-se ao cumprimento das normas da DGS, dentro das escolas, as quais respeitamos escrupulosamente, razão pela qual, também, se solicitou a ajuda da UJ Freguesia de Sacavém e Prior Velho, precisamente na desinfeção higienização dos espaços, habitualmente, utilizados.

Acha que as escolas estão preparadas para receber um novo ano letivo já em setembro em segurança, sabendo que há focos graves no nosso concelho?

Sobre esta questão, mantenho-me reticente.

Sei que o início do próximo ano letivo se mantém uma incógnita; que neste momento, ainda, não se conhece o teor do respetivo despacho normativo; e que se desconhece a modalidade de ensino a adotar; sabendo-se, apenas, que está previsto iniciar o ano letivo entre os dias 14 e 17 de setembro, sendo, por esse motivo, prematuro avançar, hoje, qualquer juízo, relativamente à segurança das escolas, sem primeiro saber a evolução do quadro da doença, nesse período.

Porém, admito um cenário de funcionamento presencial intermitente, e determinado pelas oscilações do quadro evolutivo da COVID-19. Aliás, essa tem sido a tendência expressa pelo próprio Ministro da Educação, quando admite o recurso ao blended-learning (ou b-learning), onde parte dos conteúdos poderá ser abordada à distância, normalmente pela internet, integrando, concomitantemente, momentos presenciais.

Estão as escolas dotadas dos meios técnicos, financeiros e humanos que consideraria prioritários para o imediato?

Curiosamente, para o ME, este assunto nunca constituiu problema.

Os orçamentos das escolas têm vindo a decrescer. Os recursos humanos a envelhecer. E o parque tecnológico e informático existente tem vindo a acusar alguma obsolescência.

Por outro lado, a pandemia acresce despesa - com o acompanhamento e implementação das regras de afastamento social e proteção pessoal (EPI), sinalética e comunicação, hábitos de higienização, limpeza, desinfeção e formação – que não foi considerada no orçamento atribuído para este ano.

Mas a pandemia, também, acresce medo, ansiedade, suscetibilidades e limitações várias, aos mais idosos (≥57 anos), que já atingem, aproximadamente, 55% do quadro docente do agrupamento escolar, pelo que urge o seu rejuvenescimento.

Julga que esta crise pode mudar algo em definitivo na vida em ambiente escolar? Se sim, o quê?

Acredito que sim.

A adversidade do confinamento sublinhou fragilidades e potenciou desigualdades, elegendo o computador como recurso mais importante para o estudo. Hoje, ninguém duvida das potencialidades pedagógicas da internet e dos meios digitais, ainda que não estejam sempre disponíveis para todos e ao mesmo tempo.

Com a COVID-19 promoveram-se alterações na nossa maneira de estar e viver, no relacionamento familiar e social e, por acréscimo, no ambiente escolar, nomeadamente, na sua organização administrativa e pedagógica, mas também na comunicação com a comunidade educativa.

Dito isto, para os docentes, foi, sem dúvida, uma inequívoca oportunidade para se explorarem outros recursos, outras plataformas, outras ferramentas, outras abordagens didáticas, pedagógicas e metodológicas que, num futuro muito próximo – acredito -, venham a tornar-se ‘tradicionais’, pelo seu uso generalizado.

Se pudesse decidir pelo ministério da educação, que pedidos (três) gostaria de ver satisfeitos para otimizar o ambiente escolar face a este novo contexto?

Um desses pedidos centrar-se-ia, claramente, na efetivação de uma maior aproximação da tutela às escolas, concretamente nos momentos mais problemáticos, como os que vivenciámos durante o Estado de Emergência e de Calamidade. Recorde-se que, nesses períodos, as escolas permaneceram isoladas, arcando com uma responsabilidade demasiado pesada para a sua delicada missão e ação.

Outro focar-se-ia, inequivocamente, na imediata renovação do parque tecnológico e informático dos estabelecimentos escolares, e das suas – já obsoletas - infraestruturas digitais, a fim de fazer face aos inúmeros desafios com que a escola, atualmente, se depara e deparará no futuro.

E, por fim, a sempre adiada aposta na dignificação e requalificação do património edificado (demasiado fatigado, para além das coberturas com amianto).

Fora do modo coronavírus quais são as suas principais preocupações com o ambiente escolar em sentido lato com o seu agrupamento? Infraestruturas, meios humanos, técnicos… etc.

Como já referi, o envelhecimento do quadro docente é deveras preocupante. Os meios técnicos, acusam uma significativa obsolescência. E dois dos sete equipamentos escolares que integram o agrupamento escolar foram construídos há 37 anos, sem nunca terem sido intervencionados, evidenciando já sinais de um desgaste bastante considerável.

Assim, seja, também, a preocupação, a prioridade e a aposta do Ministério da Educação na modernização das escolas. Apenas, porque as escolas, efetivamente, precisam. Os alunos merecem. E os docentes aí estão para fazer o melhor que sabem.

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